Sobre vulcões

Uma das primeiras representações vulcânicas de que se tem notícia encontra-se na Chauvet-Pont-d’Arc (c. 30.000 a 32.000 a.C), França. Nas ilustrações, é possível ver o efeito das erupções em diferentes animais.

I – O aspecto onírico em Werner Herzog

O que faz um vulcão entrar em erupção? Qual razão ou conjunto de razões devemos oferecer para sua concretização flamejante? No caso do vulcão La Soufrière, pode-se dizer que ele evidenciou, em 1976, todos os sinais possíveis de atividade: havia fumaça, variação na temperatura da água e do solo adjacentes, leves atividades sísmicas. Porém, apesar de evidenciar todas essas características, ainda assim elas não se mostraram suficientes para concretizar sua explosão. Em 2019, o vulcão Whakaari, por sua vez, não mostrava sinal algum de funcionamento. E, apesar disso, em poucos instantes explodiu violentamente, despejando sua lava por quilômetros e quilômetros de distância. Ao refletir sobre tais informações, parece-nos que o vulcão é um fenômeno dotado quase de vontade própria. Sua imprevisibilidade e periculosidade são vistas e levadas em conta até mesmo nas primeiras representações humanas, em que vemos diferentes tipos animais atingidos por jatos flamejantes difusos, como nos mostram as figuras da Caverna de Chauvet (c. 30.000 a 32.000 a.C). Trata-se, portanto, de um fenômeno que desempenha um fascínio primordial. Por ser uma fonte de imprevisibilidade e risco iminente, se alinhou profundamente ao imaginário mitológico e fantástico dos seres humanos, sendo uma fonte de inúmeras elucubrações.

Diante dessas considerações, o que me motiva a escrever esse texto é o seguinte questionamento: o que impulsiona diferentes pessoas, em variados momentos e situações, a dedicarem uma atenção tão especial aos fenômenos vulcânicos? Não falo de uma mera curiosidade, não se trata de uma simples pesquisa, mas de uma necessidade vital de ver, de estar perto e até mesmo tocar vulcões. Em última instância, por que os vulcões são capazes de exercer tamanho fascínio nos indivíduos, levando-os a arriscarem-se, por vezes, às últimas consequências? Com isso, não desejo chegar a uma resposta definitiva, mas levantar hipóteses que se conectam a estes estranhos fenômenos de obsessão e devoção, gerando o que gostaria de chamar de “culto ao vulcão”.

O cineasta que mais dedica atenção a tal fenômeno é, provavelmente, Werner Herzog. Seu primeiro filme sobre um vulcão chama-se La Soufrière. Em 1976, o vulcão La Grande Soufrière, na Ilha Basse-Tere, em Guadalupe, estava prestes a entrar em erupção. Herzog, que a essa altura já era um diretor reconhecido e grande admirador de fenômenos naturais, acompanhou de perto as notícias e se surpreendeu ao ler que a população da ilha havia sido evacuada, com exceção de um homem, que se recusou ferrenhamente a partir. Essa estranha impassividade levou Herzog a tomar uma decisão ainda mais estranha: ir com mais dois fotógrafos para a ilha, a fim de conversar com o morador.

O filme tem início com uma imagem eloquente do Soufrière. Envolto por uma fumaça branca e nuvens densas, o vulcão apresenta uma imagem que evoca os melhores quadros do romantismo alemão (aspecto frequentemente notado entre os críticos), como as paisagens solitárias e melancólicas de Caspar David Friedrich. Logo após esse prelúdio, adentramos na cidade. Com exceção dos animais e plantas, a cidade está completamente destituída de vida. Na ausência das pessoas, a situação local é caótica e sofrível. Animais mortos, mercados abandonados, templos inabitados, casas vazias. Praticamente todo o filme é centrado nesse imenso espaço vazio em que se converte a cidade, onde absolutamente tudo repousa num silêncio e em uma atmosfera quase onírica, rompida apenas pela voz off do narrador e pela música evocativa ao fundo.

Um carro é conduzido em meio a fumaça produzida pelo vulcão. La Soufrière – Warten auf eine unausweichliche Katastrophe (1977).

Quando Herzog finalmente encontra o último homem da cidade, ele está descansando próximo a uma árvore e se mostra tranquilo. Ao ser questionado pela sua atitude estoica, ele é categórico: “essa é a vontade de Deus”. Importante observar que a atitude assumida pelo habitante não é apenas uma posição meramente passiva, mas uma posição consciente de aceitação. Essa aceitação diante da inevitabilidade da explosão também é, de certo modo, uma posição sobrenatural, pois assume que, diante do intangível, somente ao intangível é possível recorrer. O homem logo recusa-se a prolongar a conversa, deseja ficar só. Inicia um canto, uma música tradicional em sua língua. A postura parece denotar o que resta ao homem diante de algo de tais proporções: o contentamento. O homem impõe seu canto, mas não de morte. Por estar plenamente alinhado ao desígnio divino, seu canto é jubiloso.

O mesmo aspecto e a mesma postura são notados no documentário Into the Inferno (2016). Quando Clive Oppenheimer, o vulcanologista que acompanha Herzog, questiona ao nativo da Indonésia o que ele sentiu ao olhar para o vulcão, ele diz ter sentido “muito medo de olhar para o fogo”. Ao explicar o porquê, porém, sua justificativa também é sobrenatural e não está de forma alguma ligada ao fato de provavelmente poder se queimar ou até mesmo morrer. Ele oferece como justificativa o medo dos espíritos que habitam tal vulcão. “Há espíritos vivendo nesse fogo?”, questiona Oppenheimer. “Há espíritos”, responde o nativo. Em seguida, ele explica uma crença local nos dizendo: “não olhe dentro do vulcão caso seja estrangeiro, pois você é estranho ao espírito que habita o vulcão”. O vulcão pede familiaridade. Não é qualquer um que pode olhar em seu abismo e permanecer ileso.

De maneira geral, a compreensão mitológica está além da explicação científica do fenômeno: “por que se interessam pelo vulcão, especialmente, por que você, cientista, se interessa pelo vulcão?” É o questionamento do nativo. Sua postura visa rejeitar explicações científicas justamente porque ele já possui suas próprias explicações. Não são necessárias outras, pois nenhuma consegue ser melhor a ponto de substituir as suas próprias crenças e a sua própria maneira de lidar com o fenômeno, fato atestado pelo que se segue no filme. Imediatamente após essa conversa, Herzog nos leva a um ritual na região do vulcão Marapi. No contexto, é preciso acalmar o deus Vulcão com oferendas: pétalas de flores, pedaços de unha, fios de cabelo, roupas e adereços. Tudo que é pessoal deve ser incluído, como se fosse preciso estabelecer, novamente, uma familiaridade, uma ligação com aquele fenômeno que, por sua parte, é totalmente indiferente ao que nós fazemos. É indiferente aos humanos, aos répteis. Sua indiferença percorre desde a minúscula formiga ao maior mamífero existente.

De acordo com as crenças da tribo indonésia apresentada no documentário, o vulcão um dia irá destruir todo o mundo. Um dia, segundo a crença, todos os vulcões espalhados pelo mundo irão se reunir e derreterão tudo. Tudo irá queimar: as pedras, o solo, as árvores, derreterão como água e, no fim, tudo será reduzido à lava. O que é curioso nestas experiências narradas é podermos acompanhar toda uma vivência construída em torno do vulcão. É a sua vontade imperiosa que dita a vida daquelas pessoas. Mas, estranhamente, não existe mágoa ou ódio daquele fenômeno por parte dos habitantes, talvez pelo efeito da necessidade e do costume ou talvez porque se reconheça naquela força algo digno de reverência. Estas são consequências típicas diante daquilo que é belo: a admiração e a reverência, a constatação de estar diante de algo maior do que você mesmo.

A prova mais cabal desta estranha beleza pode ser encontrada no mais recente documentário de Herzog em torno dos vulcões, The Fire Within: A Requiem for Katia and Maurice Krafft (2022). Trata-se de uma homenagem póstuma à Katia e Maurice von Krafft, um casal de vulcanologistas que morreram enquanto filmavam a erupção do Monte Uzen, no Japão, em 1991. Para quem já havia visto Into the Inferno alguns anos antes (2016), o casal Krafft já era conhecido, pois lá Herzog havia nos presenteado com algumas de suas filmagens. No entanto, The Fire Within é feito inteiramente com o material dos Krafft. As imagens impressionantes são fruto do trabalho quase arqueológico de Herzog, responsável pela curadoria dos vídeos e consequente edição. Mas o agradecimento primordial se deve, é claro, ao senso estético afiado e sensível (bem como à obsessão) dos Krafft. Absolutamente tudo no filme é impressionante. Roupas que parecem aquelas utilizadas pelos astronautas; a relativa proximidade do casal com a lava incessante; explosões diversas e, claro, o momento em que se captura o som emitido por um vulcão, a grande estrela do filme. Assim como em La Soufrière, há aqui uma experiência um tanto irreal, onírica. As imagens são tão chocantes que somos levados a nos questionar: isso de fato existe, essas pessoas de fato estão fazendo isso?

The Fire Within: A Requiem for Katia and Maurice Krafft (2022)

Em uma palestra intitulada On the Absolute, the Sublime, and Ecstatic Truth, apenas alguns anos atrás, Herzog questionava se, apesar de todo o aparato tecnológico existente, ainda era possível impressionar os espectadores diante de uma imagem. Ele nos diz:

Não é que eu queira demonizar essas tecnologias; elas permitiram que a imaginação humana realizasse grandes coisas – por exemplo, reanimar dinossauros convincentemente na tela. Mas, quando consideramos todas as formas possíveis de realidade virtual que se tornaram parte da vida cotidiana – a Internet, os videogames e os reality shows; às vezes também em estranhas formas mistas – a questão de o que é a realidade “real” se coloca novamente.

Curioso notar, apesar desta fala, o possível distanciamento de Herzog em relação ao realismo. Por frequentemente fazer documentários e, principalmente, por fazer documentários que tratem do mundo em que habitamos e seus fenômenos naturais, pode-se pensar em seu cinema como sendo profundamente realista. Mas isso é apenas uma forma de compreendê-lo. Os documentários de Herzog citados são, por essência, ligados ao sublime. Por mais que partam de coisas reais, eles visam evidenciar, nestas coisas, o que há de onírico ou fantástico. Tal cinema não pode ser considerado apocalíptico ou pessimista por “profetizar um futuro pouco esperançoso”, pois não proclama, pelo menos não essencialmente, nada sobre o futuro. Na verdade, é essencialmente ligado ao passado, sobretudo, às origens. A Caverna dos Sonhos Esquecidos (aqui faço uma alusão ao seu documentário de 2010) não prediz nada sobre o que seremos, mas evidencia o que nós somos. Ela estabelece um compromisso com a eternidade e não exatamente com o futuro. Para chegarmos às origens, é preciso nos posicionarmos tal como um dos primeiros filósofos (e isso Herzog parece ter compreendido muito bem): deve-se olhar para o que há de eterno em nós e em nossa volta, como na anedota de Tales de Mileto, o nosso primeiro filósofo, que, de tão distraído admirando as estrelas do céu, caiu dentro de um poço.

Esse deslumbramento é parte da busca pelas origens e tais documentários oferecem ao espectador, portanto, esse primeiro olhar, a mirada do deslumbramento. Assim como ocorreu a Fran Post ou a Moritz Rugendas ao chegarem em solo brasileiro, quando tiveram que se adaptar a uma existência completamente distinta das suas, tais documentários nos convidam a experimentar não novas realidades, mas em perceber o maravilhamento naquilo que é anterior a nós mesmos, naquilo que já existia quando o primeiro homem ainda não havia chegado. Para sair da caverna, é preciso treinar a visão. Os olhos, inicialmente doloridos, resistem aquela nova luz, mas, aos poucos, através do deslumbramento, vão cedendo e captando os menores detalhes da paisagem. Olhar a terra, olhar o homem. Acostumar-se com a luz dos trópicos. Os trejeitos peculiares, tanto das pessoas como da natureza que as circunda. A mata densa e a coloração variada. O som dos bichos e dos fenômenos vários. O olhar habituado àquela luz menos incidente, de invernos longos e escuros, de verões que não têm aquela claridade vai, aos poucos, sendo substituído e forjado.

É a esse “maravilhamento” que nos convida Herzog. Na verdade, o antirrealismo herzoguiano é sentido inclusive em sua consideração musical. Ele nos diz, na mesma palestra referenciada anteriormente, que o que há de bonito na ópera e o que nos faz gostar dela, por exemplo, é que a realidade não desempenha nenhum papel essencial em sua consecução. Trata-se, na verdade, de uma superação da natureza. Quando olhamos para os libretos das óperas (Herzog menciona La forza del destino de Verdi como um bom exemplo, em sua palestra), percebe-se rapidamente que a própria história é tão implausível, que as leis matemáticas da probabilidade estão completamente suspensas ali. O que acontece na trama é impossível, mas o poder evocativo da música permite ao espectador experimentá-la como verdadeira. De todo modo, o que permanece incólume até aqui é o aspecto “condutor” e “fantástico” das imagens. Não se trata de filmar algo novo, mas de fazer luzir, de literalmente “explodir” diante da tela, a beleza adormecida para nós. Muitas vezes, essa beleza é fugidia, tenta resistir à captura e promove inúmeros desastres, mas o sentimento de admiração permanece conosco. O que me permite afirmar a possibilidade de amar e admirar algo grandiloquente e precioso, ainda que terrível.

Mount Vesuvius: Interior of the Crater Showing the Flow of Lava in an Eruption (after his painting, 1756). Pietro Fabris (c.1740–1804)

II – Colecionar vulcões, Susan Sontag

Um outro lugar esteticamente interessante para pensarmos em vulcões é o livro The Volcano Lover (1992) de Susan Sontag. A história de Sontag inicia-se em um mercado de pulgas. Logo em seu início somos conduzidos ao ato de colecionar. A coleção é definida como aquilo que está além da necessidade, ela é guiada pelo desejo e só a ele responde. Não se trata apenas de perseguir a beleza de um determinado objeto, mas da estranha relação estabelecida entre colecionador e objeto. É por isso, na verdade, que uma coleção raramente se submete à avaliação pública, não se trata do que todos julgam valoroso ou belo, mas daquilo que reluz ao colecionador.

No contexto dramático, logo de início acompanhamos a venda do quadro de Vênus desarmando Cupido, erroneamente atribuído a Correggio. O quadro não é querido por ninguém no leilão. O dono, angustiado, não consegue compreender. A distinção do objeto lhe é tão evidente, seu amor por ele tão claro. Segue-se a isso um imediato arrependimento de ter exposto a outros olhos aquilo que era somente seu. E também, claro, surge a vaidade: todos são estúpidos por não terem reconhecido a relevância daquilo que fora mostrado.

Aqui vemos que o ato de colecionar, na verdade, possui uma peculiaridade inerente, a saber, a solidão. Amantes da música ou do cinema geralmente estão abertos a colaboração. Assistir a um filme juntos ou executar uma composição, geralmente são atos partilhados. O mesmo não pode ser dito do ato de colecionar. E isso pode ser explicado pela natureza mesma da coleção: cada um quer possuir sozinho. É, portanto, um sentimento de gozo diante da posse do objeto desejado, posse essa que deve ser sentida por apenas uma pessoa. A conquista se coloca como o epicentro da coleção. Embora, é claro, por vezes, as coleções possam unir ou desunir pessoas: elas unem os que amam as mesmas coisas e isolam os que não partilham da mesma paixão.

Espécimes de pedras encontradas por William Hamilton no Monte Vesúvio. Placa XLVIII, 1776.

Pensando nesses aspectos distintivos da ação de colecionar, Sontag conduz sua história em torno da figura de Lord William Hamilton. Lord Hamilton é arqueólogo, colecionador e vulcanologista escocês, que viveu boa parte de sua vida em Nápoles, prestando serviço como embaixador. Observando a atividade do Vesúvio de seu terraço, Lord Hamilton impressiona-se com os pitorescos jatos de vapor branco que são emitidos, atingindo uma altura e um volume até quatro vezes maior que a própria montanha. Exatamente como narrou Plínio, o Jovem, presenciando o mesmo vulcão séculos atrás: “às vezes branca, às vezes negra e manchada” (candida interdum, interdum sordida et maculosa).

Em uma comunicação oficial à Real Sociedade, Hamilton, que era diplomata, escreve a insólita nota de que a brilhante coluna de fogo com clarões de relâmpagos lhe pareceu algo “mais belo” do que “alarmante”. O vulcão é concebido por ele como um estímulo à contemplação. Mesmo barulhento, o vulcão lhe fornecia uma sensação semelhante a que experimentara em suas coleções: ilhas de silêncio. Hamilton foi diversas vezes à borda do Vesúvio, adorava passar horas infinitas contemplando aquele abismo que, por vezes, emitia estranhos sons. Mas aquela sinfonia, inicialmente insólita, lhe começou a ser cara.

Nessas suas jornadas, iniciou uma estranha coleção de pedaços do Vesúvio. Empreitada custosa. Por vezes o vento mudava e soprava em seu rosto jatos escaldantes de enxofre, cuja fumaça cegava, asfixiava, fazia-o girar, impedindo sua descida e retorno. Pedaços de rocha, pedras, lava solidificada. Ele vendia pedaços para quem desejasse. Enviava pedaços para fins científicos, motivo pelo qual foi, aliás, condecorado pela realeza. William contribuiu, inclusive, para o avanço da vulcanologia, enviando diversas notas e peças selecionadas. Mas aquelas partes recolhidas que mais lhe tocavam, as que luziam em suas mãos, acabava guardando. Colocava em uma estante e ficava observando em seu escritório. Não bastava somente contemplar o vulcão, era preciso tê-lo consigo. Como bom colecionador, não bastava contemplar a beleza, era preciso capturá-la.

Vesuvius eruption in 1774. Jacob Philipp Hackert (c. 1737–1807)

Certo dia, ao despertar, William verificou que o céu estava escuro. Um leve tremor tomava conta da cidade. Foi decretado recolhimento imediato, os teatros foram fechados, as igrejas foram abertas. Uma procissão se formou, pessoas carregavam velas e rezavam para São Januário. O cardeal erguia o receptáculo com o sangue do santo à vista de todos. Como pensava o homem de La Souffriere, quando se está diante daquilo que é intangível, somente ao intangível é possível recorrer. Somente aquilo, diziam todos, somente o sangue exposto do santo padroeiro, foi capaz de controlar uma possível erupção.

Familiaridade, conexão, obsessão. A história dos vulcões está intimamente conectada às lendas que se fundaram em torno de si mesmos. O Vesúvio, por exemplo, vulcão contemplado por Lord Hamilton, já fora jovem segundo a crença local. Em seu mito, é dito que, certo dia, avistou uma ninfa, bela como um diamante, a qual tocou seu coração e o cegou para tudo o mais. Emitindo uma respiração cada vez mais calorosa, ele investiu sobre ela. A ninfa, chamuscada por seu ato, assustou-se e pulou no mar, tornando-se a ilha que hoje conhecemos por Capri. Ao ver o que aconteceu, Vesúvio enlouqueceu e agigantou-se, seus sucessivos suspiros de fogo converteram-no em uma grande e imponente montanha. Agora, já tão imóvel e distante de sua amada, resta-lhe a emissão de lava, uma lava fatal, que por vezes tenta alcançar o mar e chegar à ilha de Capri, a qual ele é obrigado a observar todos os dias e pela eternidade. Neste mito, vemos soerguer, entre amante e amada, a distância, eros, o desejo intransponível. Uma distância que Sontag habilidosamente conduz na relação existente entre colecionador e objeto. Lord Hamilton torna-se amante do vulcão, acha-o a coisa mais bela, deseja estar próximo a ele e só a ele dedicar-se. O que nos faz pensar que talvez seja mesmo possível amar e admirar algo grandiloquente e precioso, ainda que seja terrível.

Beatriz Saar

Nota:

Imprescindíveis para a consecução deste ensaio foram a palestra de Herzog, “On the Absolute, the Sublime, and Ecstatic Truth”, o artigo de Albert Elduque, “As Ruínas no Cinema de Werner Herzog”, e a Encyclopedia Britannica, de onde recolhi as informações científicas concernentes ao funcionamento dos vulcões.