Agradecemos a Rose Lowder, a Mariya Nikiforova e a Light Cone.

La Source de La Loire [A Fonte do Loire, em tradução direta] (2021), último filme da diretora franco-peruana Rose Lowder, acompanha o fluxo das águas correndo nos primeiros quilômetros do Loire, maior rio da França, partindo de sua nascente na base do Mont Gerbier de Jonc, em Ardèche.
Quatro planos introduzem o trajeto. O primeiro: um geral do Mont Gerbier de Jonc. O segundo: uma placa de metal apontando para a esquerda com o letreiro “Visite a verdadeira Nascente do Loire indicado no plano cadastral nº 87”. O terceiro: um plano geral da natureza com um caminho traçado em meio ao gramado que conduz o olhar floresta à dentro. O quarto: uma nova placa, agora de madeira, em cima de um pequeno buraco escuro, com o letreiro escrito à mão “Aqui começa minha jornada até o oceano”.
A partir de planos fechados e composições visuais que agrupam elementos naturais (água em movimento, plantas, pedras, flores…) em diferentes distâncias focais conduzindo a sutis abstrações visuais, Lowder dá forma ao percurso do rio mais pelas diferentes intensidades da água que pela apresentação clara de sua rota. Podemos apontar três tipos entre estas imagens: planos de trechos parcialmente encobertos do rio com pouca luz direta nas águas, planos claros do rio em que a luz do sol bate diretamente e planos em que o rio nem aparece, dando atenção a animais e passantes ao redor.

Diferentemente dos outros filmes da diretora, muitas vezes a lente objetiva compõe planos com fortes tons de preto que se dissipam em meio a escuridão da sala na projeção 16mm, deixando visíveis somente as zonas luminosas da imagem. Garantindo uma boa parcela de espaço negro nas composições, a diretora sucede os planos preenchendo com elementos iluminados o espaço que anteriormente era escuro, produzindo um estímulo visual na ligação das partes. Acompanhado do silêncio da banda sonora, o rio é cuidadosamente repartido e reconstruído na montagem, amplificando em cada plano a complexidade dos microssistemas naturais em composições de níveis figurativos que muitas vezes vão além do que o olhar humano pode alcançar sozinho; apresentando assim, novas possibilidades para o estudo do meio ambiente pelo aparato cinematográfico. As diferentes intensidades naturais do fluxo de água revelam lampejos de luz nas regiões mais claras do plano e diferentes tonalidades de cor refletidas nas águas nas regiões mais escuras.
La Source de La Loire segue uma progressão dramática que acelera, em diferentes arrancadas, seja pelo controle do tempo dos planos ou pela apresentação de frequências distintas de intensidade das águas, até que por fim alcance uma rapidez próxima ao do já reconhecido procedimento bouquets da diretora. Nestes buquês, ela realiza composições plano a plano na câmera 16mm, em uma métrica previamente calculada em partituras, retrocedendo e adiantando o rolo durante as filmagens, produzindo uma sucessão tão rápida de imagens que a persistência retiniana sobrepõe-nas criando novas, combinadas, que só existem em nossa percepção. A partir do aparato tecnológico e do árduo trabalho manual da diretora, seus filmes vão além da reprodução clássica do referente natural (que considera a natureza como dado comparativo primeiro da mímese) nos entregando também a sugestão de uma outra possibilidade cosmológica na representação da natureza, expandindo nossa capacidade perceptiva. No entanto, Lowder não se restringe a apenas utilizar este efeito, mas retorna recorrentemente à realidade objetiva da natureza nos Bouquets, ao liberar a captura em disparos mais longos, geralmente de animais, humanos e fenômenos naturais, promovendo sensações de respiro, tranquilidade e leveza em meio aos rápidos flickers. Realiza assim um movimento de coexistência e integração destas representações, a objetiva e a composta frame-a-frame, pelos seus estudos visuais.
Por fim, em La Source de la Loire, a imagem se apaga após alcançar sua intensidade máxima, e em seguida, surge o som em meio a escuridão. Um registro aparentemente direto do som da natureza, cheio de elementos como água corrente, diferentes cantos de pássaros e estridulações de grilos que preenchem a paisagem sonora sem deixar tempos mortos. Após o estímulo perceptivo visual que nos conduziu a uma partição da natureza e sua consequente abstração por pedaços em relação ao todo, um simples registro sonoro é ouvido de maneira diferenciada, mais atenta as partes que compõem a polifonia, que é ouvida como uma sinfonia natural em meio a escuridão total. Os sons de grilos e pássaros surgem como elementos dispostos em partitura, alternando em diferentes velocidades, estilos, cantos, intensidades e tons. Um epílogo simples que pode sugerir a continuação do rio Loire, que não é registrado por inteiro pela diretora, mas também a possibilidade de experienciar o encobrimento total do rio onde a luz do sol não toca, como o pequeno buraco da nascente por onde começamos a jornada.
Gabriel Linhares Falcão