“You’re gonna need a bigger boat.”
Martin Brody, Jaws
Os filmes de Steven Spielberg são, provavelmente, os principais responsáveis pelo modelo de produção e distribuição atual do cinema industrial norte-americano. Se Jaws (1974) e Jurassic Park (1993) consolidaram a noção de blockbusters e o protagonismo dos efeitos especiais, filmes como E.T. (1983) e Raiders of the Lost Ark (1981) contribuíram com a formação de um público-alvo massificado que hoje tomamos como natural. Spielberg, junto com George Lucas, protagonizou os primórdios de uma corrente de franquias de aventura e fantasia que parece dominar as bilheterias até hoje com os filmes de super-herói e, ao mesmo tempo, é frequentemente tido como um “grande diretor”, que lida com temas “sérios” e patrióticos, que também parecem haver delineado outra vertente do cinema americano dos últimos 50 anos, aquela dos filmes moldados aos valores distinguidos pelos prêmios da Academia.
Mas, como quase qualquer obra de tamanho impacto, ainda que pautado pela indústria, a filmografia de Spielberg possui diversos aspectos interessantes – assim como, ao menos no princípio, os filmes da Disney também foram inovadores – nem que seja para compreendermos melhor o atual estado das coisas. O legado do cinema de Spielberg, afinal, se encontra não apenas nos modelos econômicos da indústria hollywoodiana, mas também em modelos narrativos e formais. Com Spielberg, mesmo em seu melhor, sempre temos a sensação de que poderíamos ir além, de que o filme se contentou com a superfície. No entanto, esse trabalho de superfície é, frequentemente, feito com habilidade – e, nos melhores casos, vulnerabilidade – o suficiente para nos envolver, e o envolvimento do espectador é uma chave central de seus filmes. Se é difícil falar de seu cinema, é porque suas limitações são, ao mesmo tempo, suas maiores qualidades e seus maiores defeitos.
Em seus primeiros filmes já podemos perceber uma tentativa por parte do diretor de se despir de tudo aquilo que lhes era supérfluo, concentrando suas narrativas em poucos aspectos dramáticos que motivam suas cenas espetaculosas. Se os momentos mais lembrados de Saving Private Ryan (1998) são suas imersivas cenas de ação, como a intensa chegada dos soldados americanos na praia da Normandia, isto só se torna efetivo enquanto drama a partir da premissa absolutamente banal de que o soldado Ryan deve ser resgatado pois seus três irmãos já morreram na guerra e ao menos um filho deve voltar para casa, para sua mãe. É a preocupação, um tanto absurda, com os sentimentos de uma única mãe no meio de uma guerra, que torna o filme inteiro “tocante” – neste sentido, eram absolutamente desnecessárias as cenas iniciais e finais de Ryan no cemitério prestando homenagem aos soldados que lhe resgataram, um excesso que se tornará recorrente com Spielberg. No entanto, o que começou como uma grande preocupação com a empatia do espectador, alcançada frequentemente através de técnicas não exatamente novas, mas herdadas do cinema clássico, tornou-se uma fórmula sentimentalista. Estas premissas banais, ora efetivas, ora ridículas (e, por vezes, ambas), demarcam seu cinema, do grande tubarão que aterroriza uma cidade litorânea ao pequeno alienígena que faz amizade com um menino solitário. Pois o que o cinema de Spielberg faz – seja organicamente ou como fórmula – é pegar qualquer história e transplantá-la para seu “cercadinho”, onde pode mover seus heróis e monstros como brinquedos, onde há espaço para maravilhamento – e, mesmo, terror – mas dificilmente ambiguidade ou complexidade.
Jaws (1975)

Jaws (1975) que irá estabelecer, simultaneamente, esse novo modelo hollywoodiano e Spielberg como um cineasta promissor, será seu primeiro grande sucesso. Com um tubarão assassino atacando uma pequena ilha turística justamente em sua alta estação, numa mistura de The Birds (1963) de Hitchcock com um filme B de terror americano habitual, Jaws inaugura o conceito de blockbuster, com um investimento massivo, até então inédito, em sua campanha publicitária e um retorno igualmente inédito, o maior de todos os tempos até o lançamento de Star Wars, dois anos depois. Jaws demarca, efetivamente, o fim de uma era e aponta os caminhos para o começo de uma nova.
Jaws foi baseado em um livro homônimo e reescrito como roteiro inúmeras vezes. O roteiro passou por diversas mãos, de Peter Benchley, o autor do livro, à Carl Gottlieb e John Milius, entre outros, além do próprio Spielberg. Quando a produção do filme começou, o roteiro não estava pronto e cenas eram elaboradas nas noites anteriores de filmagem, com contribuições improvisadas dos atores. Este processo heterogêneo parece, por um lado, haver condensado drasticamente o livro original, reduzindo sua narrativa efetivamente àquela fórmula leve e direta típica de blockbusters, e por outro lado, mantido uma certa espontaneidade que há no filme, por exemplo no que diz respeito às peculiaridades de cada um dos três personagens principais.
O filme se estabelece a partir de um triângulo de personagens: Martin Brody (Roy Scheider), o chefe de polícia e pai de família, recém chegado na pequena ilha, deslocado de seu habitat natural da cidade grande, que será logo fascinado pelo espetáculo da caça ao tubarão; Quint (Robert Shaw), o marinheiro rústico, obstinado, com seus velhos costumes; e Matt Hooper (Richard Dreyfuss), o entusiasta de tubarões, rico, com tecnologia de ponta e expert no assunto. Este triângulo pode funcionar como analogia para o cinema de Spielberg e, neste sentido, Jaws é um ponto inicial crucial. O tubarão, que ainda é feito “analogicamente”, mecânico, e trouxe inúmeros problemas para a produção, é como Quint, essencial para a empreitada, mas caduco: aquilo que de melhor que havia disponível no momento, mas que logo será superado. Esta personagem do marinheiro pode ser ainda pensada como a “antiga” Hollywood, que possibilita a chegada da nova Hollywood de Spielberg, baseada no blockbuster – que não deve ser confundida com o fenômeno da Nova Hollywood, do qual Spielberg tanto participou quanto ajudou a destruir. Matt Hooper, o especialista, representará, justamente, esta “Hollywood de Spielberg”, inteiramente dependente da tecnologia, do dinheiro e de ideais seculares; sempre voltada ao fascínio pela ciência, de um sublime sem conotações religiosas, supersticiosas ou demasiado subjetivas, um cinema que funciona de modo semelhante às feiras universais do início do século XX, não à toa, onde surgiu como aparato (as associações entre o cinema de atrações dos primórdios e este cinema de espetáculos são muitas, afinal). E enfim, Martin Brody, o “avarage guy” que irá executar um papel nada novo no cinema, sendo nosso representante na tela. Aqui, ele terá duas peculiaridades. Primeiro, que terá de enfrentar seu maior medo, da água, para cumprir seu objetivo – numa versão amenizada das limitações dos protagonistas de Hitchcock, introduzidas de modo mais tenso com suas conotações psicanalíticas, que dizem mais sobre estes personagens do que simplesmente serem úteis ao desenvolvimento dramático da narrativa. Segundo, que, no caso de Spielberg, este personagem irá nos acompanhar em sua “ride”, mais do que em aventuras romanescas: ele é menos o nosso termômetro moral ou sentimental do que nosso equivalente dentro de uma montanha-russa; não irá, portanto, enfrentar grandes dilemas em qualquer sentido, suas emoções serão simples o suficiente para uma criança compreender – este cinema é, afinal, diversão para toda a família.
É preciso apontar, em um breve desvio, que Duel (1971) já era um prelúdio do que seria essa “ride” de Spielberg. Um filme com um único fio condutor, um único conflito, nenhuma explicação, em que o diretor talvez tenha se excedido na condensação dramática. Um homem dirigindo na estrada ultrapassa um caminhão e começa a ser perseguido por este, aparentemente até a morte. Não há nada mais no filme, que trata-se simplesmente de repetidas cenas de tentativas do caminhão de atacar o homem que se encontra sem possibilidades de escape, até que por fim consiga destruir o caminhão. Poderia haver algo de interessante em tal simplicidade, que se estende ao fato de que o condutor do caminhão é praticamente inexistente, como se o caminhão se movesse por conta própria – algo semelhante, afinal, aquilo que veremos em Close Encounters ou Poltergheist. Mas o mecanismo, aqui, domina o filme por inteiro. Ao invés de seu monstro-máquina irrefreável ser um elemento narrativo central ao redor do qual o filme gira, como será em Jaws, o próprio filme se torna um brinquedo repetitivo, a mesma ride em looping até quebrar.
Duel foi lançado no mesmo ano de Two-Lane Blacktop, de Monte Hellman, filme com o qual, a princípio, parece compartilhar muitas questões. Two-Lane também é pautado por uma simplicidade narrativa, que consiste basicamente numa corrida de carros apostada entre os dois protagonistas, acompanhados por uma jovem que lhes pede carona, e o motorista de um carro esportivo que encontram na estrada – enquanto em Duel apenas o motorista tem nome, em Two-Lane, nenhum dos personagens é nomeado. O filme de Hellman, entretanto, está longe de seguir apenas uma linha e, a todo momento, pega desvios, ensaia com as diversas combinações possíveis: o núcleo dos quatro personagens se reveza a dirigir os dois carros, o carro esportivo e o carro de corrida dos protagonistas, completamente despido de qualquer item superficial, o tempo todo explorando os possíveis pares românticos a partir da jovem que os acompanha, que acaba por ser, afinal, o “prêmio” disputado, mais do que aquele prometido pela aposta em si. Entretanto, apesar do núcleo restrito, Two-Lane, um filme que se abre sem limites – aspecto reforçado por seu título brasileiro “Corrida Sem Fim” – é praticamente o oposto de um cercadinho; não se dispondo nem mesmo a fechar essa narrativa, o filme acaba abruptamente.
Como o caminhão de Duel, o tubarão de Jaws será concebido como uma máquina mortífera e irrefreável – e nesse sentido há mesmo uma aproximação do animal com o tubarão mecânico utilizado na produção, batizado de “Bruce”. Longe de nos apresentar uma versão puramente realista e cientificamente comprovada de um tubarão, Jaws aos poucos constrói seu monstro como um mito. Mais da metade do filme consiste na construção desse mito e o conflito social que ele gera em terra firme: essencialmente, a disputa entre o prefeito e o conselho municipal, que desejam manter as praias abertas para o turismo, e o policial e o cientista, que tentam alertá-los. Esta disputa consiste não apenas em convencê-los a fechar a praia, mas de nos convencer de que esse monstro invisível é, de fato, uma ameaça. As evidências para tanto não são apenas professadas enquanto dados informativos, são materiais. Há uma cena em que Matt Hooper abre um tubarão morto encontrado nos arredores – que não é o tubarão em questão, apenas mais um [1] – e vai retirando ítens de seu estômago, comprovando-nos que este animal é realmente uma máquina de comer, que engolirá qualquer coisa em seu caminho. O objeto de maior destaque é uma placa de um carro de outro estado, que nos comprova não apenas que o tubarão está disposto a comer uma lataria, mas também a distância que ele é capaz de navegar.

Nosso convencimento, junto ao dos personagens desavisados sobre as capacidades do tubarão, acontece em três etapas, três ataques antes dos personagens embarcarem em sua jornada. O primeiro é aquele que inicia o filme, de modo bem convencional: um casal de adolescentes bêbados saem de sua festinha na fogueira à beira mar e vão em direção ao mar, tirando suas roupas no caminho. A menina entra nua na água – em um raro momento “sensual” em um filme de Spielberg – e é atacada, para ser encontrada apenas no dia seguinte, na areia, em pedaços. O segundo ataque é de maior impacto, e novamente uma exceção na filmografia de Spielberg: durante um dia movimentado na praia, uma criança é devorada, deixando apenas uma mancha vermelha no mar. O terceiro será aquele que irá implicar diretamente o protagonista, a gota d’água que o fará embarcar na empreitada. A vítima será uma pessoa qualquer, mas seu filho é quase atacado, indo para o hospital paralisado em choque. O perigo que o animal apresenta às crianças é fundamental, também, para o convencimento de um público contemporâneo que, em sua maioria, já não vê com bons olhos a caça de qualquer animal.
A segunda parte do filme, a caçada ao tubarão, será demarcada pelos três barris de peso que vão sendo atrelados ao tubarão, com intuito não sucedido de desacelerá-lo. Os barris servem, assim, a dois propósitos no filme, além de seu objetivo prático em relação à caça do tubarão. Primeiro, funcionam de modo a enfatizar a excepcionalidade deste tubarão, que não apenas tem força o suficiente para afundar com três barris fincados em sua pele como tem inteligência o suficiente para depois cortar a corda que prende os objetos nele. Segundo, funcionam de modo que Spielberg não precise mostrar o tubarão mecânico, que era, talvez, o epicentro do caos da produção, apresentando inclusive perigo real à equipe [3]. O tubarão, assim, era mais indicado do que mostrado, através da célebre trilha sonora de John Williams que o acompanhava, e dos objetos que arrastava pelo caminho – o que, evidentemente, torna sua aparição no final do filme muito mais emocionante.
Os barris, assim, assumem um caráter narrativo, uma vez que vamos gradualmente acompanhando a demonstração de destreza do animal, paralelamente ao desenvolvimento dramático entre os personagens no barco. Se o primeiro barril pregado ao tubarão ameniza um pouco o clima hostil entre os três homens tão diferentes a bordo, a tensão volta a se acumular a medida que esta prática de caça se mostra inútil diante do monstro. O método bruto, que consiste, efetivamente, em contra-balancear o peso do tubarão, acaba associado à Quint, aquele com mais experiência na pesca tradicional. Não apenas os barris, aliás, acabam falhando, mas o próprio barco começa a afundar. Quint se exaspera e destrói os canais de comunicação, impedindo qualquer tentativa de chamado ao resgate. Para o marinheiro, o tubarão deve ser atacado de modo direto, na força, e não por acaso será o único que entrará em contato físico (e sangrento) com o tubarão, que acaba o devorando. Antes deste encontro fatal, entretanto, frente à derrota dos métodos tradicionais, até mesmo Quint irá permitir que Hooper tente matar o animal com suas tecnologias. O cientista, então, entra em uma jaula metálica que, supostamente, o protegeria dos ataques do tubarão. Também esta tentativa irá falhar; o metal da jaula, para o tubarão, parece apenas mais um obstáculo em seu nado nunca interrompido, e será logo completamente amassado. Será, enfim, Brody, que irá conseguir matar o monstro, sem o uso de equipamentos sofisticados ou técnicas tradicionais, no modo mais próprio a um blockbuster, com uma grande explosão, ao atirar em um tanque de oxigênio que o tubarão carregava na boca. A explosão não apenas é o grande final clamado por Hollywood, como reduz o tubarão a tudo aquilo que o filme sempre indicou que ele era: não tanto um animal, quanto uma grande e incessante massa de carne com dentes.
Se o próprio livro Jaws já era uma versão paperback de Moby Dick, o filme é como o livro de Melville comprimido em um blockbuster de verão – “gênero” que, inclusive, inaugurou. A baleia branca transforma-se em tubarão branco, mas a dimensão de misticismo que cerca os monstros é a mesma, assim como a delonga a revelá-los propriamente. No romance de Melville, muito se fala sobre Moby Dick ou sobre baleias e baleeiros em geral, antes de nos depararmos, de fato, com o animal concreto – aliás, a maior parte do livro é essa preparação, a baleia branca é 90% o mito do leviatã – assim como a maior parte de Jaws (tanto livro quanto filme) consiste em nos preparar para o encontro com o tubarão. Entretanto, assim como Two-Lane Blacktop é infinito ao lado de Duel, a construção mítica e concreta de Moby Dick se expande sem fim e o impulso motor da narrativa no livro é, afinal, a busca pelo desconhecido, o encontro com o outro; em outras palavras, justamente, sair do cercadinho e adentrar no vazio misterioso do mar. O tubarão em Jaws também é branco (não é preciso falar sobre a brancura da baleia, Melville já falou o suficiente [2]) e praticamente abstrato, mas é mais uma máquina do que um mito, reforçado mais por informações científicas e imagens ilustrativas do que por histórias de marinheiros e narrativas bíblicas – em Moby Dick, na verdade, temos ambos, a descrição minuciosa e taxonômica das baleias tem um papel igualmente importante na construção do mito. Enquanto o Pequod viaja quilômetros, o barco Orca em Jaws mal chega ao mar aberto. No final do filme, após explodirem o tubarão, os personagens voltam nadando à costa, e descobrimos que estavam, afinal, o tempo todo muito próximos. Mas toda essa redução não é necessariamente algo negativo: o cercadinho faz sentido em Hollywood; ele é, afinal, sua essência. Definitivamente, não se trata de uma empreitada como a de Aguirre (1975) de Herzog ou mesmo como a de Apocalipse Now (1979), mas tampouco o filme almeja tamanhas alturas [4]. Faz parte da lógica do blockbuster de verão que este terror esteja próximo ao terreno familiar dos subúrbios e pequenas cidades americanas.

Curiosamente, um dos grandes problemas na produção de Jaws – conhecidamente turbulenta – foi, justamente, filmar em alto-mar. Spielberg poderia ter utilizado uma piscina de estúdio, mas optou pelo cenário real – escolha que, definitivamente, foi fundamental para êxito do filme – mas da qual, provavelmente, se arrependeu, dados os problemas na produção (significativamente, não veremos esse grau de ousadia em suas produções posteriores – ao menos, não desacompanhado de um grande orçamento). É, provavelmente, esta escolha (que parece demarcar também o pertencimento do filme à década de 70, talvez a década mais “ousada” de Hollywood) que faz com que o filme não se enquadre inteiramente no cercadinho de Spielberg. Pois em Jaws, ainda retemos pequenas aberturas para a realidade, seja a partir de todo o mistério que envolve o tubarão (essa figura mítica que pouco aparece no filme), seja no universo que cada um dos três protagonistas introduz, seja na instabilidade da própria câmera e cenário quando o filme se passa no barco. Aqui, ainda é possível associá-lo à máxima de que “todo filme é um documentário de sua produção”, algo que será, posteriormente na filmografia de Spielberg, inteiramente suprimido. Em Jaws, ainda vemos os limites desse cercadinho, estamos junto com os personagens no barco quando este começa a ruir – aliás, o barco também começou a afundar durante a produção.

É interessante observar, por exemplo, como temos no filme apenas uma menção brevíssima (ainda que esta seja o clímax emocional do filme) a um evento histórico, a bomba de Hiroshima. Em décadas posteriores, tais eventos irão dominar a produção de Spielberg, que irá se “especializar” em temas históricos. Mas aqui, é justamente a pontualidade sobre o assunto que retém sua ambiguidade; o evento histórico em si é apenas um pano de fundo nebuloso para um breve relato em que os verdadeiros protagonistas são tubarões. A cena é muito bem construída, em um dos poucos momentos de descontração dos três personagens tão distintos: à noite, no navio, enquanto bebem, os personagens relatam as origens de suas cicatrizes, rindo e brincando. Até Quint revelar uma cicatriz de uma tatuagem removida, que dizia “USS Indianapolis”, o navio que levou a bomba para o Japão. O horror narrado pela história do marinheiro, entretanto, não provém da explosão nuclear que os Estados Unidos infligiram sobre o Japão – evento que, sob a ótica americana, é constantemente considerado essencial para pôr fim à guerra. A história trágica será, na verdade, sobre um massacre perpetuado por tubarões no mar em que, após a entrega da bomba, os soldados do navio ficam à deriva. A história, relatada na metade do filme e seu ponto de virada – após isto o tubarão irá fazer sua investida final contra o barco, destruindo-o, derrubando-o e matando Quint – é um perfeito exemplo da passagem da História à narrativa elaborada por Spielberg, que é aqui feita com habilidade. O evento real que tangencia a história do personagem não é a explosão em si da bomba, mas sua entrega, o momento imediatamente anterior ao evento principal. O que seria o ataque dos tubarões, então? Resultado de algum tipo de carma, de purgatório, diante dos perpetradores desse evento? Uma alegoria para o caos da própria bomba, um sofrimento análogo ao desta? Ou um modo de compreender um evento de tamanha magnitude dentro de seu cercadinho? E por que Quint haveria retirado esta tatuagem? Seria um gesto de arrependimento pela entrega da bomba ou de horror diante do massacre perpetuado pelos tubarões? A falta de uma resposta certa para estas perguntas é o que prova que, nesse caso, o encontro entre realidade e ficção se deu de modo, no mínimo, interessante. O cercadinho de Spielberg é, afinal, ao mesmo tempo que uma limitação, sua mais distinta qualidade, principalmente quando consegue colocá-lo em jogo no próprio filme, tornar o cercadinho literal e colocar o espetáculo em questão.
Close Encounters of the Third Kind (1977)

Seu próximo filme, Close Encounters of the Third Kind (1977), um dos poucos filmes na filmografia de Spielberg escrito e dirigido por ele, pode ser considerado aquele mais “autoral”, servindo bem como parâmetro para uma certa “essência” estilística do diretor. Mais do que um desenvolvimento dramático, o que encontramos em Close Encounters é uma série de motivos visuais e sonoros manifestando-se através de diferentes mídias; uma progressão, repetitiva e até mesmo rítmica, de traduções.
Antes de ser um cinema de efeitos especiais, o cinema de Spielberg trabalha com efeitos de “primeiro grau”, ou seja, com indícios físicos: em Jaws, só vemos, praticamente, vestígios do tubarão, e agora teremos um filme quase que inteiramente composto das ressonâncias de um contato extra-terrestre – esta ideia de “ressonância” continuará presente em seus filmes, seja na criança que calcula a distância da tempestade contando os segundos entre os trovões e clarões, seja na água que treme com o pisar do tiranossauro, em Jurassic Park, antes do próprio aparecer.
Close Encounters já começa com o primeiro contato alienígena que, como mencionado, ocorrerá indiretamente. Após um prólogo no qual cientistas – incluindo um interpretado por François Truffaut – encontram, no deserto, um avião da Segunda Guerra dado como perdido, acompanharemos esse primeiro contato a partir de duas famílias: o primeiro núcleo composto por uma jovem mãe, Jillian (Melinda Dillon), com seu filho pequeno, Barry, e o segundo pelo eletricista Roy (Richard Dreyfuss) com sua esposa e filhos. No meio da noite, o pequeno Barry é acordado por seus brinquedos que parecem ganhar vida e então começa a seguir sozinho floresta adentro, e sua mãe vai atrás. Enquanto isso, Roy é convocado pelo seu trabalho para resolver uma grande queda de luz na cidade. No caminho, os dispositivos de seu carro – para-brisa, os medidores, faróis – e tudo aquilo a sua volta – caixas de correio, semáforos, postes de luz – também parecem ganhar vida. Os três personagens irão se encontrar no meio da estrada, de onde presenciarão um espetáculo de luzes alienígenas dançando no céu noturno.
Esta primeira manifestação alienígena, através de uma sinfonia lúdica de objetos domésticos, será tipicamente spielbergiana; uma das melhores compreensões cinematográficas do diretor é justamente esta, do cinema como um palco para objetos que podem ser movidos – ou, ainda, se mover, como brinquedos num faz-de-conta, com aparente vida própria. Este motivo será recorrente em sua filmografia, seja em E.T. (1982), Poltergeist (1982)– cuja assinatura da direção por Tobe Hopper é contestada e marcada por motivos spielbergianos – ou A.I. Artificial Intelligence (2001). O espetáculo de luzes alienígenas na beira da estrada não é senão uma reprodução desta manifestação em escala infantil, assim como o final do filme, quando há de fato o encontro com os alienígenas, será apenas uma repercussão de ainda maior amplitude desse show. Nesta sequência final, cientistas se comunicam com as naves extra-terrestres através de uma melodia simples, de apenas 5 notas, tocadas no que poderia ser chamado de um xilofone gigante, que ilumina cada tecla tocada de uma cor. As naves respondem de modo semelhante, com sons e cores. O contato, de tal forma simplificado, torna-se mais simples mesmo do que aquele que acontece anteriormente entre Roy e o cientista interpretado por Truffaut, quando o segundo interroga o primeiro em francês, com uma tradução simultânea para o inglês por um terceiro personagem. Assim como a sinfonia de brinquedos não está muito distante do espetáculo das naves alienígenas finais, a comunicação estabelecida com estas não está tão distante do trabalho de tradução necessário dentro de nosso próprio planeta – para tudo que há de extraordinário neste filme, temos um pequeno equivalente, humano e mundano.

O primeiro espetáculo de luzes à beira da estrada testemunhado por Roy, Jillian e Barry irá, entretanto, não apenas maravilhá-los, mas marcá-los com uma obsessão. O filme oscilará, então, entre a progressão desta obsessão em sua escala doméstica, que consiste, principalmente, na tentativa dos dois personagens adultos de reproduzir a forma de uma montanha específica que parece haver se impregnado em suas mentes, e outros indícios da presença alienígenas em uma escala global – um navio naufragado ressurge no deserto, uma melodia é ouvida na Índia (a mesma que será repetidamente tocada na cena final), uma série de números é capturada pelos rádios – as “traduções” operantes nos filmes não dizem respeito, portanto, apenas à diferentes idiomas, mas à diferentes meios de comunicação e linguagem (rádios, televisões, matemática, música, linguagem de sinais).
A impregnação sobrenatural desta imagem da montanha na mente desses personagens pode ser lida como um processo inverso àquele a qual a imagem é submetida em Blow-Up (1966). No filme de Antonioni, o protagonista também é testemunha de um evento que irá, posteriormente, repercutir obsessivamente em sua cabeça. A diferença é que o personagem conta com evidências físicas de tal acontecimento, e irá buscar a resposta para seu quebra-cabeças – que logo ganha repercussões de uma história de detetive – na dissecação desta prova, na imagem fotográfica. Mais do que o evento em si, é a fotografia que acaba por tornar-se objeto de sua obsessão, dissecada a tal ponto a tornar-se um emaranhado de manchas inconfiáveis – ainda que, para o protagonista, estas manchas sejam a prova do crime. Em Close Encounters, após testemunhar o evento de ordem sobrenatural, Roy, sem provas físicas deste encontro, irá fazer o caminho contrário; partindo de manchas abstratas – onde quer que possa encontrá-las – tentará moldá-las de modo a alcançar esta imagem invisível, que lhe foi magicamente impregnada.

A obsessão do personagem, sua insistência em modelar o creme de barbear e o purê de batatas, irá logo ser interpretada como loucura e arruinará sua família. Há um momento em que o personagem parece finalmente voltar à razão, quando vê sua filha assistindo o marciano de Looney Tunes e parece reconhecer-se no desenho infantil, percebendo enfim o absurdo de sua empreitada. Ele começa a jogar fora tudo aquilo relacionado à OVNIs que havia colecionado e a destruir seus pequenos morros modelados, até que, quando retira o topo de um deles, reconhece a imagem tão procurada. Sua obsessão, então, é elevada a máxima potência e, extrapolando todos os limites daquilo que seria socialmente aceito em sua vizinhança, Roy começa a destruir seu quintal, cavando a terra e jogando esta na sala de estar, enquanto sua família desolada vai embora. Livre de quaisquer empecilhos, ele agora está livre para transformar a sala em um palco para uma grande maquete de sua obsessão; não mais coibido pelas obrigações familiares e constrangimentos sociais, a imagem do morro que tanto lhe perturba finalmente ganha a escala merecida. Talvez não seja preciso apontar o sentido simbólico desta destruição para este homem que irá, então, abandonar sua família definitivamente, uma vez que no final do filme parte com os alienígenas. Para alcançar seu objetivo, para seguir seu chamado – que vem, literalmente, dos céus – é necessário abandonar sua vida cotidiana e transformar sua sala em um gigantesco tanquinho de areia onde suas obsessões serão encenadas até o limite. A imagem enfim encontra seu respaldo na televisão, que transmite a “Devils Tower” em Wyoming, montanha de formato idêntico à réplica da sala de estar. A obsessão ganha, enfim, um nome, um local específico, um objetivo preciso. A jornada concreta, no mundo real, pode finalmente começar.

A premissa desta cena, a construção de uma realidade fictícia através de meios concretos, pode em muitos sentidos ser comparada ao trabalho de um diretor de cinema – e, se direcionada à carreira de Spielberg, aponta um início absolutamente promissor. Pois esta realidade fictícia não é simplesmente construída sobre um palco vazio; este palco, e tudo aquilo que ele acarretava, teve de ser brutalmente esvaziado anteriormente. Neste início de carreira, Spielberg estava disposto a construir uma realidade familiar suburbana apenas para destruí-la com as obsessões abstratas de um homem egoísta que é, sobretudo, um pai e marido. A jornada de Roy, ainda que em muitos sentidos absolutamente convencional, não apresenta indício de arrependimento por parte do personagem. Algo semelhante será elaborado em Jaws, onde Spielberg se dispõe a transplantar a realidade monstruosa de um tubarão assassino à uma pequena ilha turística, onde o animal chega até mesmo a matar uma criança. Infelizmente, este tipo de ousadia será logo reprimida em seus filmes posteriores: suas realidades fictícias terão cada vez menos lastros na realidade, serão cada vez mais construídas sobre palcos vazios, telas verdes; seus protagonistas serão cada vez mais empáticos, suas narrativas mais convencionais, haverá cada vez menos espaço para controvérsia – mesmo quando tratando de temas “espinhosos” como o Holocausto.
Se os primeiros filmes de Spielberg partem muito mais de elementos invisíveis ou abstratos – Duel, Jaws e Close Encounters são os melhores exemplos – neles já estava presente, também, seu anseio por mostrar; e logo, não apenas mostrar, mas impressionar, maravilhar. Em Jaws, este cinema de indícios parece provir de um receio de mostrar o problemático tubarão mecânico que assombrou a produção – mais uma consequência inusitada da inexperiência como diretor, portanto, do que uma escolha, ainda que no resultado final tenha sido provavelmente uma opção melhor. Em Close Enconteurs, esta ânsia por mostrar parece ainda mais pulsante, ainda que não se tenha muito para mostrar além de pequenas luzes flutuantes dançando ao som de algumas notas tocadas por um grande xilofone. Mas é justamente esta ausência latente durante todo o filme que o torna, como Jaws, interessante. Pois, durante toda sua duração, Spielberg parece buscar diferentes maneiras de se expressar, e é na falta de um objeto específico que o protagonista irá buscar modelar a imagem que lhe persegue. O grande espetáculo de Close Encounters, muito mais do que o ingênuo show de luzes no final ou os toscos alienígenas que finalmente se revelam, será a construção de uma montanha numa sala de estar por Roy. Essa massa amorfa que paira sobre todo o filme parece ganhar uma forma um pouco mais definida em E.T. the Extra-Terrestrial (1982), incorporando o próprio alienígena em seu formato esquisito.
E.T., enfim, será menos sobre esses vestígios de Close Encounters e apontará para um direcionamento mais sentimentalista que irá dominar todos os filmes de Spielberg a partir da década de 80. Em diversas entrevistas, Spielberg afirma haver se arrependido do abandono da família por Roy em Close Encounters, e E.T. será sua maneira de remediá-lo: a família em E.T. acaba de ser abandonada pelo pai, e o protagonista Elliot, uma criança solitária, encontrará uma companhia provisória no pequeno alienígena que chega dos céus; quando este, enfim, consegue voltar para casa, Elliot fica para trás com sua família. E assim encerra-se a fase mais “ousada” de Spielberg e o pouco espaço para ambiguidade que havia em seu cinema – o que também não quer dizer que nada de interessante virá a partir de então.
Jurassic Park (1993), Raiders of the Lost Ark (1981)

É sempre bom lembrar, também, que a história do cinema de espetáculo contemporâneo caminha em conjunto com a abertura dos grandes parques de diversões americanos, como o Disneyworld, em 1971, e Universal Studios em 1990. Em 1976, um ano após o lançamento de Jaws, o filme ganhou sua própria ride no estúdio da Universal – que sempre disponibilizou tours para mostrar os sets, mas apenas nesse momento começa a perceber o potencial financeiro da junção entre estes dois mundos, este novo cinema que consegue lucrar não apenas com bilheteria, mas com todo merchandising a sua volta. E quem melhor que Walt Disney, afinal, para inspirar Spielberg na criação de seu próprio “parque de diversões”? Os objetos que ganham vida em Close Encounters, E.T. ou Poltergeist ganham, aqui, outro sentido, quando pensamos nas rides da Disney repletas de seus próprios robôs animados. A linha entre o maravilhamento e o horror diante do autômato é conhecidamente tênue e por isso é tão comum ver estes seres cantantes de parques de diversões em cenas de filmes de terror. A tecnologia de “animatronics”, que faz estes autômatos modernos se moverem por conta própria, foi um grande interesse de Walt Disney, que começou a desenvolver seus próprios desde a década de 1950, e será retomada em Jurassic Park, onde temos robôs-dinossauro em tamanho real.

Jurassic Park (1993) é o encontro perfeito entre cinema e a ride de parque de diversões, algo que o próprio filme reconhece: o parque do título é de fato um projeto de parque de diversões/zoológico de dinossauros em uma ilha, concebido por um velho milionário. Se em Close Encounters há um completo fascínio pelos efeitos especiais, aqui há um completo controle destes efeitos – e um fascínio diante deste controle. Há uma cena emblemática neste sentido, que poderia resumir este maravilhamento spielbergiano. Enquanto os paleontólogos convidados à conhecer a ilha de dinossauros se fascinam com a fauna jurássica, se deparam com um enorme braquiossauro: antes de o vermos, a câmera se aproxima em um zoom de seus rostos chocados, os personagens retiram os óculos escuros para ver melhor a criatura e então um contra-plano nos revela aos poucos o animal, a câmera passando do jipe à nível do chão e acompanhando seu pescoço gigante. Os personagens saem do carro e o admiram um pouco mais até serem surpreendidos por um bando de braquiossauros e outras espécies se banhando num lago próximo; enquanto os personagens admiram a ciência ou biologia diante deles, o espectador tem o tempo necessário para apreciar a tecnologia do CGI exposta na tela. Em Jurassic Park o monstro não vem de fora, mas, como o CGI, é criado pelo homem. Não apenas criado, aliás, mas re-criado com ciência, tecnologia e iniciativa privada, resgatado de 200 mil anos de extinção através de um mosquito preso em âmbar – a nostalgia é outro elemento crucial da receita de Spielberg, e talvez funcione melhor em Jurassic Park justamente por este retratar um mundo pré-histórico.

No advento de qualquer tecnologia, afinal, costuma-se haver uma atitude inventiva que vai se perdendo a medida que seu uso se torna corriqueiro. Há não apenas o frescor da novidade como a necessidade de afirmação; não apenas se usa a nova tecnologia como busca-se um uso para ela [5]. As décadas de 80 e 90 provaram-se particularmente frutíferas para os efeitos especiais cinematográficos nesse sentido. Filmes como An American Werewolf in London (1981), The Thing (1982), Gremlins (1984), The Fly (1986), Robocop (1987), Terminator 2: Judgment Day (1991) ou mesmo Titanic (1997), são alguns exemplos em que os efeitos não são apenas um revestimento para o filme mas essenciais em suas narrativas. Evidentemente, não há grandes complexidades no uso narrativo do CGI em Jurassic Park, que está longe de Terminator 2 e a anos-luz de distância de Robocop. Em Terminator 2, James Cameron não apenas incorpora os avanços tecnológicos do CGI na figura de um dos ciborgues do filme, como o contrapõe a figura “analógica” do ciborgue interpretado por Arnold Schwarzenegger, introduzido no filme anterior; ainda que a tecnologia seja uma questão central de Jurassic Park, ela não chega a esse ponto. Assim, também, diferente do policial robô de Paul Verhoeven ou mesmo de exemplos mais antigos como Godzilla ou King Kong (em suas versões originais, pelo menos), que atuam diretamente nas cidades (Detroit, Tóquio e Nova York, respectivamente) e, consequentemente, em seus conflitos sociais e históricos, os dinossauros de Jurassic Park estão presos em uma ilha, no cercadinho de Spielberg.
Mesmo antes de seu parque jurássico, esta linha que separa filme e ride já era tênue em filmes como aqueles da franquia de Indiana Jones. O primeiro filme parece provir de uma atração da Disney e não à toa, logo ganha suas próprias: primeiro, o show de dublês “Indiana Jones Epic Stunt Spectacular!” apresentado no Disneyworld, na Flórida,regularmente desde 1989; depois, a ride “Indiana Jones Adventure”, em 1995, na Disneyland, na Califórnia. Em Raiders of the Lost Ark (1981), assim, já veremos apontadas duas direções que o cinema de Spielberg irá seguir, não tão distintas quanto podem aparentar a primeira vista: por um lado, um cinema blockbuster em um sentido mais direto, de rides; por outro, um cinema que lida com temas históricos.

Na cena inicial de Raiders of the Lost Ark, o herói protagonista, Indiana Jones (Harrison Ford), e seu ajudante adentram numa caverna cheia de armadilhas no meio de uma floresta tropical e apoderam-se de um ícone indígena, para então fugir repassando por todas as emboscadas antes evitadas e agora “acionadas”, uma vez que a caverna começa a ruir. A cena repercute em diversas outras desse novo cinema de atrações de Spielberg ou George Lucas: personagens presos em um ambiente repleto de armadilhas – sejam os diversos encontros de Indiana Jones com aranhas e cobras em tumbas e pirâmides, sejam as paredes de um compactador de lixo se fechando sobre os protagonistas em Star Wars/Episode IV: A New Hope (1977) [6].
Quando as cenas não se dão em um ambiente fechado, Spielberg parece fazer questão de estabelecer limites de algum modo. Os nazistas montaram um acampamento arqueológico gigante no deserto buscando pela Arca. Indiana Jones, com seu conhecimento e experiência privilegiada, consegue descobrir a verdadeira localização da Arca, fora do acampamento. Junto a alguns homens, vai para esta nova localização onde passam o dia inteiro cavando. Entretanto, para nós, a distância real entre este local e o acampamento nazista não é nem um pouco precisa: se primeiro Jones precisa de um binóculo para encontrar o lugar à distância, quando chegam lá, o acampamento está logo atrás – e, no entanto, quando anoitece, as barracas iluminadas ao longe parecem ainda mais distantes. Esta imprecisão não chega a ser proeminente no filme; é algo sutil, mas que exemplifica o tipo de abstração operante no que diz respeito ao espaço nesse tipo de cinema que se usufrui, sobretudo, de ambientes fechados, controlados. Algo semelhante ocorre quando Jones e sua companheira Marion (Karen Allen) tentam roubar um avião do acampamento e entram em combate com um dos nazistas. A cena toda – literalmente cercada por um círculo branco demarcando a área do avião – em que várias coisas acontecem ao mesmo tempo (o avião gira em círculos, há gasolina vazando e Jones brigando com o nazista), é despercebida pelo resto do acampamento ao redor até haver uma explosão. O recurso é necessário, evidentemente, para fornecer tempo o suficiente para a cena se desenrolar sem a interrupção constante de inimigos em muito maior número, que eliminariam os protagonistas em questão de segundos, e mesmo compreensível, afinal não se trata, aqui, de um cinema que visa qualquer tipo de realismo.


Mas não se tratam apenas de questões espaciais. Há uma cena em que Marion, prisioneira dos nazistas, é convidada a jantar com o arqueólogo francês que está colaborando com eles. Num gesto que é até mesmo recorrente em filmes deste tipo, o inimigo pede para que a prisioneira vista um vestido branco e feminino. A interação entre este homem mal-intencionado e sua prisioneira suja e vulnerável em cativeiro transforma-se em um embate aprazível, em que ela deverá seduzi-lo para se safar. A situação antes em risco de tornar-se proibida para maiores, pode se desenrolar nessa brincadeira inofensiva, e o espectador ainda ganha a oportunidade de ver essa mulher um pouco grosseira num vestido delicado – além disso, Marion ganha uma chance no embate, tendo em mãos sua única arma possível, “ser mulher”.
Enquanto estamos dentro de uma caverna de armadilhas de Indiana Jones, sua “magia” funciona; o problema é quando saímos para o mundo real, para o contexto histórico específico da arqueologia em meio à Segunda Guerra Mundial. Pois o cercadinho de Spielberg se torna uma fórmula à qual qualquer história – e a História – pode ser adaptada. Se isso funciona muito bem com alienígenas, dinossauros e tubarões, não funciona tão bem lidando com nazistas, políticos ou funcionários do aeroporto, não importa o quão restrito seja o cercadinho. O problema, novamente, não está no cercadinho em si, mas na maneira como é utilizado. Diretores como Robert Aldrich, Paul Verhoeven ou Quentin Tarantino criaram seus próprios cercadinhos com muito mais êxito e complexidade – ainda que Tarantino enfrente um problema parecido com o de Spielberg quando tenta levar seu cercadinho para a realidade em seus filmes de época recentes, embora não fracasse de modo tão proeminente.

A ambientação de Raiders poderia ser das mais interessantes: uma exploração de mais um dos projetos megalomaníacos orquestrados pelos nazistas, e ainda mais um que buscava trabalhar, justamente, sua própria tentativa de construção mitológica – além de uma inclinação ao exotérico que aponta como, em certo sentido, os nazistas buscavam “atirar para todos os lados” ou mesmo “beber de todas as fontes” (a suástica era um símbolo hindu, afinal). Um arqueólogo/caçador de relíquias americano buscando tesouros para os museus e universidades de seu país (por paixão à História? Por desejo de aventura? Pela pátria? Por dinheiro?) e arqueólogos e soldados nazistas – ou contratados por estes – buscando tesouros para Hitler (para legitimar a ideologia? Pela superstição?). No filme, os nazistas buscam a Arca da Aliança pelos seus poderes. Ambos os lados procurando por estes tesouros (particularmente a Arca, uma relíquia judaica) no Oriente Médio. Imagino o que poderia sair desta premissa nas mãos de Robert Aldrich ou mesmo John Ford. Mas, diferente dos dois, e do que afirma Indiana Jones, Spielberg não está interessado na História senão para transformá-la, por completo, em ficção e atração.
Schindler’s List (1993)

Assim como o que poderia ser um grande dilema moral de Schindler em Schindler’s List (1993), uma inserção da narrativa de Segunda Guerra Mundial e do Holocausto dentro do capitalismo, um modo de evidenciar a imbricação entre a guerra e as questões de classe daqueles envolvidos, é completamente esvaziado no cercadinho de Spielberg. Schindler é um herói, o capitalismo não vê cor ou credo, vê potenciais forças de trabalho e mercados consumidores; algo que os fascistas, ainda mais tecnocratas, ainda mais adeptos a criar seus próprios cercadinhos do que Spielberg, simplesmente não tiveram perspectiva para perceber.
O filme, produzido no mesmo ano em que Jurassic Park, parece simplesmente inverter o maravilhamento deste para o horror. Spielberg nos carrega em sua ride através desse show de horrores com um final feliz: a redenção de Schindler, a esperança que vive em seus “Schindlerjuden” que prosperam em Israel. Um filme que não é sobre o holocausto, sobre seus sobreviventes, sobre a guerra, nem sobre o nazismo – ainda que isto tudo esteja lá, como um genérico pano de fundo – mas sobre a redenção de um dono de fábrica que acaba por se sensibilizar o suficiente com a desgraça a sua frente para tentar salvar seus funcionários (ou escravos, uma vez que não recebem nada por seu trabalho).
Se há algum personagem para o espectador se identificar – e sempre há, nos filmes de Spielberg – este é, definitivamente, Schindler (Liam Neeson). Schindler em momento algum se mostra anti-semita e até seus adultérios são apresentados de modo leve e divertido. Este homem, que chegou ali como se não vivesse em nenhuma guerra, querendo apenas ganhar seu dinheiro e não se envolver nos conflitos, é o mais próximo que chegaremos nesse cenário do espectador-médio (americano), que provavelmente não vive nem nunca viveu uma guerra, que provavelmente irá apenas interromper seu cotidiano banal para ver este filme e (de modo, para ele, inusitado) se ver absorto em compaixão. O espectador, assim, não é obrigado a vivenciar todo este terror em primeira mão, apenas testemunhá-lo e ainda sair com a sensação de dever comprido, de que, como Schindler, fez tudo que poderia ser feito, fez o que podia.

O que mais poderia ser feito diante dessa enorme máquina de matar arbitrária e ilógica que era o nazismo, no filme resumido a um único vilão, o personagem de Amon Göth (o tenente responsável pelo campo “intermediário” de Płaszów, interpretado por Ralph Fiennes)? “Qual o sentido de matar sua força de trabalho?”, clamam os prisioneiros do campo, céticos quando ouvem falar sobre as câmaras de gás. Para Spielberg, esta parece ser a questão verdadeiramente incompreensível do nazismo: sua improdutividade; e para salvar seus “funcionários” Schindler deverá ser igualmente improdutivo e gastar toda sua fortuna ganha com o que não podemos chamar de outro nome senão escravidão. Manter vivos apenas os judeus considerados “essenciais” para trabalhar e depois assassiná-los sem qualquer motivo evidente é absolutamente improdutivo, e mesmo contraditório; mas ao invés de investigar a questão, ou simplesmente de localizá-la no cerne da ideologia nazista, que misturava seu produtivismo com darwinismo social e racismo, Spielberg a limita a apenas um homem, Göth, que ao que tudo indica no filme, é simplesmente louco. É por esse tipo de simplificação que Spielberg torna um assunto tão complexo e de tamanho impacto e o reduz a um blockbuster lucrativo.
Quando todas as mulheres da lista de Schindler – que nomeia aqueles que serão salvos de Auschwitz para trabalharem em sua fábrica – são, por um acidente burocrático, enviadas para o campo, ele suborna um oficial para que as tire de lá. O homem lhe oferece outras mulheres que estão chegando no campo, ao que ele nega enfaticamente, ele quer as suas Schindlerjuden. A resposta de Schindler, no filme, é tratada como pura lealdade, prova de sua humanidade; enquanto o oficial nazista afirma não fazer diferença, que ele não deveria “se apegar tanto”, para Schindler importa, para ele essas pessoas são nomes, não apenas números – uma diferença que não é tão grande assim quanto o filme quer nos fazer acreditar. Mas esta escolha que Schindler faz sem hesitação não é tão simples assim: ao salvar suas Schindlerjuden, ele deixa de salvar essas desconhecidas que chegam no campo de trem. Evidentemente que alguma escolha deveria ser feita e não há resposta certa nesse caso, mas o filme nos faz acreditar que há, pois no cinema de Spielberg não há espaço para ambiguidades, para incertezas. Em um dos poucos diálogos interessantes, Schindler comenta com Göth que o perdão pode ser uma forma de poder ainda mais enfática do que a punição. No dia seguinte, Göth testa sua teoria perdoando diversos prisioneiros, até enfim ceder à punição e voltar a matá-los. Novamente, a ambiguidade da fala de Schindler está ali, mas o filme opta por não desenvolvê-la. Esta teoria de Schindler é colocada como mais uma manipulação de sua parte para “enganar” os nazistas a não assassinar mais judeus, quando na verdade ele está descrevendo exatamente sua situação, o poder que adquiriu a partir de sua clemência diante desses pobres coitados – são repetidas cenas no filme dos judeus demonstrando sua gratidão à Schindler, que no final parece ser tanto um líder quanto um deus para eles.
Sobre a cena final, em que o herói Schindler finalmente sucumbe a suas emoções e desmorona em prantos, Spielberg afirma que a concebeu como um momento que permita também ao espectador um processo de luto diante de tudo aquilo testemunhado. O filme não nos dá, entretanto, tanto espaço para processar esse “luto” quanto o transforma imediatamente em catarse, em ficção, resolvendo esse conflito e tornando o Holocausto digerível para seu público massificado. E com isso “encerra” uma questão que não deveria ser encerrada, pois não houve final feliz no Holocausto, não houve redenção ou conclusão possível.
Em certo sentido cruel, o Holocausto é um cenário perfeito para Spielberg, que compõe seu filme a partir dos diferentes cercadinhos em que os nazistas confinam os judeus até sua morte – o gueto, o campo intermediário, a fábrica, Auschwitz e, por fim, ainda que não apareça no filme, a câmara de gás. Nesse sentido, é o completo oposto do longo documentário de Claude Lanzmann, Shoah (1985), composto, sobretudo, de espaços abertos. Estes são os locais reais onde houveram os massacres, onde estavam construídos os campos, e onde quase nada sobrou após o grande esforço final dos nazistas de destruírem todas as provas. Lanzmann os preenche com os relatos de sobreviventes e testemunhas, que narram todos os horrores sobre cenários contemporâneos, aparentemente em paz. O próprio diretor define seu filme como o inverso de Schindler’s List, afirmando que Spielberg haveria ilustrado tudo aquilo que é apenas narrado nessas paisagens vazias de Shoah. Diante do final redentor do filme de Spielberg, Lanzmann afirma: “A última imagem de Shoah é diferente. É um trem que segue e nunca para. Ela diz que o holocausto não tem fim.” [7]
Catch me if you can (2002)
Suas adaptações de histórias reais, entretanto, não são sempre mal-sucedidas e, talvez, simplesmente, o Holocausto seja um tema grande demais para caber em um tipo de filme tão limitado. Em 2002, Spielberg dirige Catch me if you can, uma adaptação da biografia do jovem golpista Frank Abagnale Jr., atuante na década de 60; uma história sem grandes pretensões, sem heróis, sem monstros e intensas cenas de ação, mas que retém o desejo spielbergiano de mostrar, ou ainda, de impressionar.
Catch Me If You Can começa com um flashforward. Em um programa de auditório característico da década, anunciam-se os principais feitos de Frank antes de introduzir três homens no palco. Um deles é Frank e caberá à platéia e convidados descobrir qual, em um jogo de perguntas e respostas. Quando perguntam ao segundo homem quem capturou Frank Abagnale, este – que já reconhecemos ser o verdadeiro, por ser Leonardo DiCaprio – responde: “Carl Hanratty”. O filme corta para a captura de Frank por Hanratty (Tom Hanks), o agente do FBI que o perseguirá ao longo de todo o filme. O jovem arrumado que vimos há pouco no programa televisivo está irreconhecível, em péssimas condições em uma prisão francesa e, com suas últimas forças, tenta inutilmente fugir. A cena seguinte já nos situará 6 anos antes, quando tudo começou. No ritmo acelerado que irá ditar o filme, já são estabelecidos, assim, em primeiro lugar, os protagonistas e o principal conflito (também já implícito no título): Hanratty perseguindo Frank. Em segundo lugar, são introduzidos os “grandes feitos” de Frank enquanto golpista e sua posterior decadência quando capturado: o que o personagem fez, assim, não será nenhuma surpresa para o espectador, mas como o conseguiu, e como perdeu tudo. Em terceiro lugar, temos uma pista quanto ao método do criminoso: o programa televisivo mimetiza o jogo de aparências que Frank irá articular em seus golpes.
Como E.T., a tragédia de Catch me if you can também é motivada pelo divórcio dos pais do protagonista. Sua mãe tem um caso com um amigo de seu pai – história que repete aquela da própria infância de Spielberg – e o adolescente Frank (Leonardo DiCaprio) é obrigado a escolher entre seu pai e sua mãe. A sobrecarga da escolha o faz fugir e acaba tornando-se um falsificador de cheques procurado pelo FBI.
Apesar de um criminoso, Frank é “apenas uma criança”, como o filme faz questão de nos lembrar constantemente. Aliás, sua própria habilidade enquanto falsificador parece provir, sobretudo, de sua idade, de seu olhar infantil – seu sucesso e sua irreverência serão os fomentadores de um efeito de maravilhamento que acompanha todo filme de Spielberg. É com este olhar que Frank é capaz de registrar pequenos detalhes que ninguém mais parece notar e com isso “autenticar” suas falsificações, que ultrapassam o âmbito dos cheques e passam a permear toda sua vida, com falsos diplomas e falsos uniformes. Mais do que um imitador preocupado com a perfeição de suas falsificações, Frank trabalha com truques e blefes, pequenos desvios de atenção a partir da distração das vítimas, como um mágico.
O personagem de DiCaprio é uma criança em um mundo de adultos. Não consegue lidar com esse mundo – com o divórcio dos pais, com o peso da escolha – e vive no seu mundinho de faz-de-conta. Sua fuga é, sobretudo, uma fuga da realidade, uma grande brincadeira. É importante para o filme que Frank não seja uma completa farsa – em algum momento ele revela, por exemplo, que realmente passou no exame de advocacia, não trapaceou na prova. Ele é apenas uma criança tentando impressionar o pai – e Hanratty, como figura paterna. Seu talento e sua índole, no final, são usados “para o bem”, para o próprio FBI. O único modo de Spielberg conseguir adaptar essa história real de uma figura explicitamente criminosa é através dessa redenção do personagem que era, afinal, “apenas uma criança”.
O filme é um dos poucos ainda interessantes na filmografia recente de Spielberg, o que parece acontecer, principalmente, por dois motivos: em primeiro lugar, esse mundinho de faz-de-conta de Frank tem consequências concretas e diretas no mundo real; em segundo, é evidente que o desejo de Frank de que sua família volte ao normal é parte de sua ilusão, que no final cai por terra ao ver sua mãe construir uma nova família. A cena dessa desilusão, inclusive, é particularmente dramática para um filme que assume um tom leve e jocoso durante a maior parte de sua duração. Após seu tempo preso em condições precárias na França (voltamos, aqui, à cena inicial do filme), Frank descobre que seu pai faleceu e vai até a casa de sua mãe, quem não vê há vários anos. Chegando lá, olha pela janela e vê a imagem idílica de sua mãe com outra família, inclusive uma nova filha que ele desconhece. Sua mãe não lhe vê, e logo após Frank se entrega para a polícia. A cena parece saída de um melodrama, como em uma muito próxima no filme Stella Dallas (1937), onde a protagonista envelhecida e empobrecida vê, pela janela, sua filha se casando, sem poder se aproximar.

Assim como o protagonista de Close Encounters, Frank abandona sua família e a vida cotidiana no início do filme para seguir sua fantasia. Mas, diferente de Roy, que entra na nave alienígena, Frank nunca abandona o mundo real; sua fantasia nunca deixa de ser fantasia, uma mera projeção, um modo de ver o mundo. Por isso é importante no filme que o personagem seja um adolescente, alguém no meio do caminho entre a realidade adulta e a fantasia infantil. No final, há um desenvolvimento efetivo do personagem, que não se perde em sua fantasia tanto quanto adapta esta ao mundo adulto do FBI. A vida no cercadinho se prova impossível, o personagem é obrigado a amadurecer. Mas é difícil avaliar o quanto o próprio Spielberg de fato amadureceu com a experiência, visto que seu próximo filme, The Terminal (2004), seria o ápice de seu cercadinho: dramas pessoais e conflitos sociais e políticos reduzidos a meia dúzia de esteriótipos presos em um aeroporto.
É aí que notamos que não é que Spielberg tenha percebido que o cinema – e, principalmente, o cinema de estúdio, hollywoodiano, comercial – pode ser simplesmente uma caixa de atrações, um parque de diversões, uma casinha de bonecas; é que para ele o mundo é assim. Quando tenta fazer um cinema que saia desta casinha, é que percebemos o tamanho do desastre: como uma criança dirigindo um carro – como o filme de Joe Dante em Twilight Zone, onde os desejos de uma criança se tornam um filme de terror [8]. Spielberg parece mais com o velho excêntrico de Jurassic Park, com os nazistas megalomaníacos e tecnocratas que querem usar os poderes da Arca em Raiders of the Lost Ark, com o falsificador de cheques que nunca aprendeu a lidar com o mundo adulto de Catch Me If You Can – assim como seu cinema recente parece eternamente preso em um tedioso aeroporto – do que com seus heróis fascinados por ciência e história, seus corajosos pais de família e filhos de mães solteiras.
Paula Mermelstein
Notas:
[1] Assim como, antes do encontro com Moby Dick, uma cachalote é morta e desmembrada no livro – o que é minuciosamente descrito.
[2] Ver capítulo 42, “A brancura da baleia”, de Moby Dick.
[3] Resquícios, novamente, de um cinema mais arriscado dos anos 70 que ficou para trás, em parte pelas mãos do próprio Spielberg, que em “Twilight Zone” ficaria indignado com o acidente de helicóptero que matou duas crianças no segmento de John Landis. O episódio seria fundamental para uma mudança nos sistemas de produções hollywoodianas; motivo alegado era garantir uma maior segurança de todos os envolvidos no set, e o resultado foi uma gradual perda de controle dos diretores nas grandes produções.
[4] Que, no segundo exemplo, também não leva a lugar nenhum. Apesar de toda a ousadia de Coppola no que diz respeito à produção, seu roteiro é absolutamente convencional. Se Jaws é uma versão blockbuster de Moby Dick, Apocalipse Now é um teatrinho de escola de Heart of Darkness de Joseph Conrad.
[5] Para Walter Benjamin, uma dimensão utópica estaria presente tanto no nascimento quanto no momento de obsolescência de dada tecnologia, quando esta é liberta de sua utilidade (sob esta perspectiva, daqui a quantas décadas ou séculos o CGI se tornará interessante novamente?) C.f. KRAUSS, Rosalind. A Voyage on the North Sea: Art in the Age of the Post-medium Condition. London: Thames & Hudson, 1999.
6 – Evidentemente, o recurso de personagens presos, tentando fugir de diferentes obstáculos, não é nenhuma particularidade deste cinema; pelo contrário, é provavelmente um dos recursos mais utilizados em qualquer cinema de gênero. Sua particularidade consiste nos efeitos especiais, na tecnologia arquitetada para que estes quartos fechados tornem-se vivos, interativos, a tal ponto em que hoje possam ser apenas quartos verdes vazios e o cenário completamente construído na pós-produção.
[7] Claude Lanzmann sobre Schindler’s List: https://web.archive.org/web/20180326224559/http://www.phil.uu.nl/~rob/2007/hum291/lanzmannschindler.shtml.
[8] Sérgio Alpendre coloca Joe Dante como esta espécie de Spielberg sombrio, trazendo, por exemplo, essa citação do crítico Louis Skorecki: “Joe Dante, no fundo, é talvez a versão sombria de Steven Spielberg, o ‘duplo’ noir desse Walt Disney ‘dinossauro-schindleriano’.” Em: ALPENDRE, Sérgio. Joe Dante, o horror e o baixo orçamento: Piranhas, gritos de horror e desenhos animados. REBECA – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. V. 4, n. 2 (2015).