Conversa com James Benning

James Benning veio ao Rio por convite do Festival Ecrã, para exibir seu último longa-metragem, “The United States Of America” (2022), e apresentar uma masterclass no SESC Copacabana, onde ficou hospedado. O filme, que apresenta um plano para cada um dos cinquenta estados estadunidenses, foi exibido na Cinemateca do MAM, como parte do Festival, no dia 8 de julho, uma sexta-feira. A masterclass aconteceu no dia seguinte, no SESC Copacabana, onde ele falou sobre alguns de seus trabalhos recentes. Estes incluíam uma de suas instalações, “Two Cabins” (2010), na qual refez, em sua propriedade na Califórnia, duas cabanas originalmente construídas respectivamente pelo escritor e filósofo Henry David Thoreau e pelo terrorista e teórico Ted Kaczynski, e pinturas que Benning também refez para o mesmo projeto, a partir dos trabalhos originais de artistas folk ou outsiders norte-americanos, como Bill Traylor, Moses Tolliver, Joseph Yoakum, Martín Ramírez, Henry Darger, Black Hawk, and Jesse Howard.

Essa entrevista foi feita no dia 10 de julho, na manhã seguinte à masterclass, no lobby do SESC Copacabana, onde nós conversamos com ele motivados por estes eventos anteriores. Alguns eixos temáticos se destacaram na conversa: a relação de Benning com outros cineastas experimentais e artistas conceituais e o eventual impacto destes em sua obra, em particular Michael Snow e Hollis Frampton; a importância que o artista dá à experiência empírica, o que toma como material e estrutura narrativa para suas obras; e, enfim, o que pode ser tomado como consequência do ponto anterior, o protagonismo que o processo criativo assume não apenas na feitura de suas obras, mas também enquanto tema destas. Com frequência, estas parecem originar de uma interpretação ao pé da letra da máxima aristotélica “é fazendo que se aprende”, seja quando o artista reconstrói cabanas e pinturas, submetendo-se às etapas peculiares de cada processo, seja na observação direta de paisagens em seus filmes, que se dispõem a um confronto material com cenários históricos e ao perdurar de um tempo não interrompido. As experiências específicas de cada um dos personagens ou paisagens cujas histórias decide adentrar são reencenadas não através da ficção, mas desse confronto.

Em dado momento em nossa conversa, Benning relata a respeito das festas de David Mancuso na década de 1980: a música era cuidadosamente coordenada no decorrer da noite de modo a emular a experiência do próprio Mancuso quando, criança, ouvia os sons da natureza. A história estabelece um paralelo para este processo em que uma experiência nunca se dilui, apenas se transforma, “é apenas o material que muda”, Benning responde em outro momento, em relação a sua transição da película para o digital. Da natureza aos lofts nova-iorquinos, da película ao digital, de Thoreau a Kaczynski, da ideia à prática e de uma prática à outra, torna-se evidente que o artista está, de fato, interessado no aprendizado empírico que cada experiência proposta a si mesmo e por ele aos outros, pode oferecer; não atoa, como menciona em mais de um momento, as aulas que oferece em um curso na CalArts, consistem, essencialmente, em “prestar atenção”, ver e ouvir, proposta que seus próprios filmes parecem materializar.

Gostaríamos de agradecer ao Festival Ecrã por convidar e receber o James no Rio, por exibir seu filme e organizar sua masterclass (e por isso, também, agradecemos ao SESC Copacabana). Também gostaríamos de agradecer o próprio James, pelo filme, palestra e conversa estimulantes.

texto introdutório por Paula Mermelstein e entrevista conduzida por Gabriel Linhares Falcão, Matheus Zenom e Paula Mermelstein

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Matheus Zenom: Ontem, na sua masterclass, fiquei feliz de ouvir você falar sobre “Two Cabins”, pois só conhecíamos o filme através do YouTube, sem nenhum contexto em relação ao projeto como um todo, o qual me surpreendeu bastante. Queria te perguntar, então: como seus filmes são feitos? Como o que vimos na noite anterior, “United States of America”; como um filme como este é feito? Você filma as imagens antes de ter um projeto ou você concebe um projeto primeiro e depois filma?

James Benning: Quase sempre o projeto já está inteiramente na minha cabeça e então eu saio e o executo. Então, com “United States of America”, foi bastante inspirado no primeiro filme [de mesmo nome] que fiz com a Bette Gordon [“United States of America”, 1975], há uns 40 anos atrás, e essa era a ideia inicial, fazer uma outra versão de “United States of America”. Eu também pensei sobre o meu próprio isolamento por conta do Covid-19. Eu podia sair de casa mas não podia ir tão longe a visitar todos os estados do país, então logo de cara eu tinha esses limites em relação a como o filme seria feito.

Imagem de “United States of America” (2022), filme de James Benning

Paula Mermelstein: Na masterclass você também disse que quando estava refazendo a pintura de Bill Traylor você sentiu como se pudesse compreender os problemas que ele havia enfrentando quando ele estava pintando. Achei isso muito interessante e que talvez o processo por trás de “Two Cabins” tenha sido semelhante, compreender o que as cabanas significavam a medida que as construía.

JB: Esta é uma questão interessante no que diz respeito às cabanas. Quando Thoreau fez sua cabana, ele encontrou árvores na área em que ia construí-la, e retirou a madeira destas árvores. E eu desci o morro até o Home Depot e as trouxe de volta no meu caminhão. Então, eu tive uma experiência completamente diferente da dele. Mas isso é mais ou menos o que Kaczynski fez. Quando eu construi a sua cabana, eu tinha essas fotos incríveis de Richard Barnes; ele não apenas tirou essas fotografias da cabana de Kaczynski e do armazém do FBI, mas ele conseguiu pegar um papel de pano de fundo preto e tirar fotos da frente, do lado e de trás, de modo que você tinha fotos de quatro ângulos da cabana. Então eu conseguia colocar tudo em escala a partir destas imagens e construí-la inteiramente. Assim eu realmente podia sentir que estava tendo quase a mesma experiência que Kaczynski, porque eu sabia quais materiais ele usou, eu sabia o que ele fez de errado ou diferente. Ele fez algo interessante: quando você constrói um teto, você geralmente usa a mesma quantidade de caibros do lado esquerdo e do lado direito. Mas ele construiu um teto onde haviam onze de um lado e doze no outro, o que não faz sentido nenhum pra mim. Mas eu fiz o mesmo. E aí eu descobri que por elas não se encontrarem desse modo no topo elas se torciam menos, o teto não curvava tanto. Eu pedi a Julie Ault, que corresponde com Kaczynski, para perguntá-lo sobre o teto, mas ele insistiu que havia a mesma quantidade de caibros dos dois lados.

“Unabomber Exhibit D” (1999), fotografia de Richard Barnes

PM: Você também trocou correspondências com Kaczynski?

JB: Eu lhe escrevi algumas vezes. Mas Julie Ault, minha parceira no livro “Two Cabins” que editamos, ainda escreve para ele, ainda que agora ele tenha sido transferdo da prisão de segurança máxima em Colorado para um hospício na Carolina do Sul porque ele está em estado grave, por conta de um câncer. Mas também ouvi que ele tem respondido bem ao tratamento então talvez ele seja transferido de volta. Ele é um cara bem interessante uma vez que está preso e não pode ferir ninguém. Porque ele é brilhante, mas também tem um lado louco. Ele matou três pessoas e matou muitas outras, então ele não é nenhum tipo de herói para mim. Mas isso não significa que você não possa aprender com ele.

MZ: O livro dele também foi publicado aqui. Ele ainda escreve?

JB: Bom, ele acabou de re-escrever um livro sobre o meio-ambiente que é bastante bom. Assim que ele chegou a prisão, ele estava com tanta raiva de sua mãe e de seu irmão que ele escreveu um livro dizendo que eles estavam mentindo em relação a ele, o que foi um tanto embaraçoso, bem mesquinho. E esse livro acaba de ser publicado novamente. Eu não consigo acreditar que ele não consiga ver como esse livro o coloca sob uma perspectiva sombria. Acho que ele está próximo demais do argumento. Mas o que ele escreveu sobre o meio-ambiente é muito bom. Eu acho que precisamos ser alertados sobre como a tecnologia tem nos afetado, mentalmente pelo menos.

MZ: Seus filmes chamam atenção a alguns aspectos geográficos e culturais da vida nos Estados Unidos. Às vezes, como em “Landscape Suicide” (1987), você apresenta uma espécie de “lado obscuro” disso. Você trabalha com noções que são comuns (pelo menos) para o espectador americano, mas as apresenta em uma forma rigorosa. Há, por exemplo, uma recorrência da bandeira americana em seus filmes.

JB: Eu uso a bandeira americana muitas vezes em diferentes filmes por vários motivos. Um deles é que ela é provavelmente a bandeira mais reconhecível no mundo. E outro é que eu me considero um patriota, mas não um patriota cego, como muitas pessoas que erguem bandeiras. Eu estou muito consciente da história do meu país e das atrocidades que ele exportou e importou, ao redor do mundo e dentro dos Estados Unidos. Então, eu uso a bandeira como um símbolo mas também, enquanto um patriota, eu quero que meu país se comporte bem e torne-se melhor. É nesse tipo de patriotismo que eu acredito. Também acho bonita a maneira com que as bandeiras mostram o quão rápido o vento está soprando, e sublinham ondas maravilhosas, como se perduram no tempo.

Imagem de “Glory” (2019), filme de James Benning

PM: Em filmes como Landscape Suicide”, você combina as paisagens de verdade da história com entrevistas re-encenadas. Como você faz esse balanço entre aquilo que é inventado e aquilo que é diretamente registrado quando faz um filme? Isso é algo que você pensa antes?

JB: Primeiro, eu provavelmente deveria comentar na narrativa em si. Quando eu comecei a fazer filmes eu conhecia cinema narrativo melhor do que qualquer outra coisa. Eu não estava interessado em fazer filmes narrativos tradicionais mas eu estava interessado em contar histórias. Então, os primeiros filmes que eu fiz, ainda que eles sejam quasi-narrativos, tem elementos narrativos diretos. A ideia de usar histórias reais para desenvolver uma narrativa me interessava, eu estava muito interessado nisso em “Landscape Suicide”, em utilizar monólogos que de fato existiam e haviam sido gravados, e em utilizar não-atores que poderiam simplesmente se basear neste diálogo. Então eles tinham que repetir fielmente o monólogo de verdade e eu tentei dirigir eles de modo que não colocassem muito significado em suas palavras, deixando que a linguagem falasse por si própria. Este pareceu um bom caminho a ser tomado porque muitas pessoas acreditaram que eles eram as pessoas reais, o que é muito interessante.

Imagem de “Landscape Suicide” (1987), filme de James Benning

PM: E que filmes ou cineastas de filmes narrativos você gostava?

JB: Eu gosto de narrativas mais minimalistas, como “The Passenger” (1975) de Michelangelo Antonioni. Eu gosto também de “Zabriskie Point” (1970), porque era narrativo e visual. Filmes como estes.

MZ: Você também se interessa pelo cinema asiático?

JB: Eu não conheço muito e deveria conhecer. Todo mundo fala de Ozu em relação aos meus filmes. Eu vi “Tokyo Story” (1953) e alguns outros dele e gosto muito do trabalho, acho que provavelmente pensamos de modo parecido. Ele não me influenciou porque ele chegou até mim depois de eu já haver começado a trabalhar, mas é bom encontrar essas conexões.

Imagem de “Sanma no Aji” (A Rotina Tem Seu Encanto, 1962), filme de Yasujiro Ozu

Gabriel Linhares Falcão: Você falou da CalArts antes. As suas aulas são normalmente dentro ou fora da universidade?

JB: Eu tenho uma aula que é do lado de fora. Eu dou essa aula a cada dois anos, talvez, durante a primavera. Nós vamos a lugares e praticamos simplesmente prestar atenção. É uma aula que dura o dia inteiro, nós saímos às oito da manhã e às vezes voltamos às dez da noite, ou meia-noite. Nós geralmente passamos o dia inteiro em algum lugar e realmente prestamos atenção nas coisas.

GLF: Nenhum celular nessas aulas? [risos]

JB: Isso é difícil de controlar mas na maior parte do tempo eu vou pra lugares onde não tem sinal de celular. E é justamente nesses lugares que eu queria que tivesse, porque é onde alguém pode se perder, então nos preocupamos [risos]. Eu não exijo que façam nada exceto que tenham essa experiência mas eu espero que se esforcem para realmente prestarem atenção. Descobri que o trabalho da maioria dos alunos que fazem essa aula fica muito mais sutil depois.

GLF: Muitas vezes na sua carreira você comenta que “ver é uma disciplina.” Na sua masterclass, você falou sobre a disciplina no trabalho de Henry David Thoreau, e fiquei me perguntando sobre sua própria disciplina em relação ao seu trabalho…

JB: Bom, quando eu era garoto eu tinha um tio que levava eu, meu irmão e o filho dele para fora da cidade e fazíamos caminhadas. Ele não dizia “preste atenção” ou nada do tipo, mas com o tempo eu comecei a aprender certas coisas. Eu me lembro de um dia quando eu era bem novo: o sol estava quente e havia uma brisa fria, então você sentia calor e frio ao mesmo tempo. Eu ainda me lembro da primeira vez que senti isso até hoje, quando você percebe que você pode ter essas duas sensações ao mesmo tempo. Na época, eu achei isso interessante. Na verdade eu conto essa história em “Telemundo” (2018), um filme que fiz com a Sofia Brito. Hoje, eu sinto que foi uma observação muito inteligente. Eu estava muito impressionado que alguma coisa tivesse acabado de acontecer comigo. Desde então, eu prestei mais atenção nas coisas, porque eu queria ter mais daquelas experiências onde eu aprendia algo muito sutil, muito novo.

GLF: Você trabalha com estruturas rígidas nos seus filmes, mas parece que durante o processo de filmagem você às vezes altera isso para algo que encaixe melhor.

JB: Estou sempre aberto para que uma experiência altere o filme. Eu não sou tão rígido ao ponto de dizer que farei algo e então fazê-lo exatamente. Mas, muitas vezes, eu sou. Como quando fiz “One Way Boogie Woogie” (1977), eu andei pela cidade, pela área industrial, e tirei algumas fotos para estudar a região. Eu sabia que queria fazer um filme sobre essa área mas não tinha ideia de como ou o quê. E então quando olhei para as fotos elas meio que sugeriam que eu fizesse simplesmente “fotos com tempo” e com a mesma duração, para que haja uma espécie de democracia do olhar; este lugar ganha tanta atenção quanto aquele. Então, o processo cresceu de tirar estas fotos. “One Way Boogie Woogie” foi um filme bem inicial, quando eu estava apenas começando a desenvolver esses tipos de estruturas, mas é daí que veio isso, de simplesmente olhar para esta paisagem industrial com uma câmera fotográfica.

Imagem de “One Way Boogie Woogie” (1977), filme de James Benning

PM: Em relação a esta paisagem industrial, há outros dois artistas que acho que se relacionam com seu trabalho de algum modo, Bernd e Hilla Becher.

JB: Sim. Certamente eles me influenciam de tal forma que eu percebo que toda aquela área industrial que eu frequentava em Milwaukee quando criança e da qual eu gostava, era esteticamente agradável, eles confirmaram isso.

GLF: Você poderia falar um pouco da sua transição do filme em 16mm para o digital?

JB: Eu nunca achei que iria mudar, eu gostava muito de filmar em película. E então se tornou simplesmente tão difícil de trabalhar com laboratórios, as tolerâncias deles foram para o inferno. Levava muito tempo para conseguir uma cópia e então os projetores dos cinemas se tornaram cada vez piores e não estavam sendo trabalhados da maneira certa. Demorava, então, seis meses para conseguir uma cópia de um filme de uma hora e meia e então ele era destruído por conta de projeções ruins. Eu não aguentei mais. Uma vez que eu mudei, passei a achar que o digital na verdade se encaixa melhor com as minhas ideias. Quer dizer, eu gosto da aparência dos meus filmes em 16mmm, mas sinto que alguns deles não estão me dando toda a resolução que eu gostaria que tivessem. O que eles tem é um granulado e um sentimento nostálgico que seduz muitas pessoas. Eu posso deixar isso pra trás. Não é tão interessante para mim. Se o novo “USA” [United States of America, 2022] fosse em película, eu não acho que seria tão potente.

GLF: A sua maneira de medir o tempo mudou com essa transição?

JB: Sim, isso me libertou. Também, a ideia de não ter que trabalhar com um laboratório é a melhor coisa do mundo. Eu posso fazer toda a minha pós-produção, correção de cor, sozinho. Então eu tenho total controle da imagem. E, geralmente, a projeção é bastante boa, você pode ter um probleminha mas isso raramente acontece. Geralmente, agora, a projeção é tão melhor que em 16mm e as cópias não estragam com o tempo, elas se mantém iguais. E as pessoas podem roubar os filmes com mais facilidade, esse é um aspecto positivo [risos].

GLF: Em “BNSF” (2013) você fez um único plano que dura três horas. Você sempre quis fazer estes takes longos, como o “Empire” (1965) de Andy Warhol?

JB: Eu queria fazer takes longos mas eu estava interessado sobretudo na limitação do tamanho do rolo de filme. Quando eu fiz “One Way Boogie Woogie”, eu usei um rolo de 30 metros e isso significava que eu poderia fazer um plano de dois minutos e quarenta segundos ou dois planos com aproximadamente 80 segundos cada. Então os rolos de filme e as locações em si ditavam a duração dos planos. Em  “13 Lakes” (2004), eu usei um rolo de 121 metros o que me daria onze minutos e então, se eu usasse dez minutos, eu poderia me livrar de alguma coisa no início ou no final que eu não gostasse. Foi isso que levei em consideração, mas nunca quis fazer algo como “Empire” de Warhol, onde ele ficava trocando de rolo na câmera e rodando por tantas horas. Principalmente porque eu não tinha dinheiro para isso.

Imagem de “BNSF” (2013), filme de James Benning

GLF: Você tem uma conexão com o trabalho de Warhol?

JB: Bem, eu gosto bastante do trabalho dele, acho seus filmes brilhantes. E o ambiente todo que ele criou com as pessoas vindo para a Factory, como havia sempre uma câmera lá, isso foi brilhante. Eu gosto de alguns de seus primeiros filmes com Taylor Mead e Denis Deegan, etc. Esse tipo doido de narrativas abertas com pessoas divagando. 

MZ: Há uma grande diferença entre o seu método de trabalho e o de Warhol. Como você disse antes, você trabalha sozinho; é você quem faz o enquadramento e concebe a estrutura. Enquanto Warhol geralmente contratava pessoas para fotografar seus filmes para ele.

JB: Eu acho que Jonas Mekas filmou “Empire”. Há um momento legal no filme onde alguém acidentalmente acende a luz no cômodo e então apaga rapidamente. Quando isso acontece, você vê Jonas refletido no vidro, se me lembro corretamente. 

Imagem de “Empire” (1965), filme de Andy Warhol

MZ: Falando em Warhol, me lembro do seu filme “Nightfall” (2012). É um filme de um plano só, composto pelas linhas rígidas das árvores em uma floresta, onde você grava a duração deste anoitecer. Enquanto a imagem torna-se cada vez mais escura, o som torna-se cada vez mais alto. Eu acho isso muito interessante porque existem duas forças que se cruzam de algum modo, e você encontrou isso na natureza.

JB: As minhas aulas de olhar e escutar são sobre esse tipo de coisa. Você vê coisas desse tipo e ouve coisas desse tipo. Há esse homem, David Mancuso, que administrava um loft em Nova York e fazia essas festas de disco nos anos 80. Ele tocava música para aquecer as pessoas noite adentro e então, a medida que a festa se tornava mais animada, ele reagia à multidão e direcionava tudo nesse sentido. Estas eram festas que duravam onze horas, e nas últimas duas ou três ele ia acalmando o ambiente. Ele escreveu sobre como, quando era criança, ele ouvia a natureza e pegou isso dali, para fazer disco, o que é algo incrível, fazer essas festas enormes.

Então, eu estava muito consciente disso quando fiz “Nightfall”, e agora eu fiz “Ten Years Later” (2022), um filme para acompanhar este. Na verdade, é como se fosse a última metade de “Nightfall” – não exatamente a última metade, porque quando escurece nesse, eu faço escurecer um pouco mais rápido. Eu filmei no mesmo local, no amanhecer. Então começa com o título “Nightfall” e você vê o anoitecer. Daí vai para tela preta e diz “dez anos depois”, então, “amanhecer”, e começa a ficar mais claro. É exatamente no mesmo lugar e o som na manhã não é tão alto quando era à noite, é bem sutil. E então, de repente tudo muda, não há mais pássaros. Você tem uma experiência diferente aqui. O que acontece nesse filme é que a área onde filmei foi completamente devastada por um incêndio florestal, então quando a luz chega, nada está mais lá, está tudo queimado, restam apenas varas pretas. Então se torna algo bem político.

MZ: Você começou a fazer filmes no início dos anos 70 e pertence a uma geração diferente daquela que nós normalmente associamos ao “cinema experimental”, com Stan Brakhage, Hollis Frampton e Gregory J. Markopoulos. Você teve algum tipo de contato com essa geração anterior?

JB: Eu fiquei amigo de dois dos cineastas desta geração, Hollis Frampton e Michael Snow. E nos tornamos próximos porque eu os considerava artistas, não cineastas experimentais. Eu achava que eles faziam trabalhos conceituais e era nisso que eu estava interessado. Então, eles são provavelmente minhas maiores influências, estas duas pessoas. Quanto à Brakhage, eu acho seus filmes mais líricos. Eu gosto de muitos deles, alguns eu não gosto – como com qualquer um. Mas eu não gostava da “filosofia da visão” dele, era um pouco romântica demais para mim.

MZ: Pensando nesta geração anterior de cineastas (Snow, Frampton), eles normalmente trabalhavam com curtas durações em seus filmes, enquanto você, por outro lado, desde o final dos anos 70, trabalhou com longas-metragens. 

JB: Bom, Snow fez “Rameau’s Nephew” (1974), que tem duas horas e meia, mais ou menos. Alguns dos filmes de Frampton era mais longos e ele estava trabalhando na sequência de filmes “Magellan” que iria ser exibida ao longo de um ano inteiro, então não era apenas sobre a duração do filme mas de sua apresentação, que se estendia pelo ano inteiro, onde veríamos algo todo dia. Infelizmente, ele morreu antes de realizar isso. Mas ele tinha filmado alguns filmes para o equinócio porque ele acreditava que certos dias do ano eram especiais. E esses filmes foram finalizados, alguns deles. Quer dizer, eu suspeito que as pessoas acharam que “Wavelenght” (1967) era um filme longo, ele tem uns 30-40 minutos? Então, eles não eram tão curtos quanto os filmes de Brakhage mas mesmo ele fez filmes mais longos como “The act of seeing with one’s own eyes” (1971), onde você vê uma autópsia no estilo dele, inúmeras vezes. E então ele filmou a autópsia de uma vez só, direto, diferente de como ele costumava fazer. Este foi um de seus filmes conceituais que achei incrível. Mesmo ele, às vezes, afetou minha cabeça um pouco, especialmente com esse filme. Eu fui realmente tocado por esse filme, confrontado por ele, porque ele partia dessa beleza lírica, irônica, de uma autópsia, para a realidade dela. Seus filmes em Pittsburgh, nas siderúrgicas, são ótimos.

Imagem de “The Act of Seeing with one’s own eyes” (1971), filme de Stan Brakhage

MZ: Você já falou disso, mas fiquei me perguntando em que sentido a duração de um filme apela a você? Não apenas a duração das imagens em si mas a relação entre as imagens que cria um sentido narrativo, como você disse antes.

JB: Talvez agora, mais tarde na minha carreira, eu tenho um pouco mais de medo de fazer filmes que são tão longos. Quer dizer, eu pressiono meus espectadores bastante já. Quando eu fiz “United States of America”, eu poderia ter feito cada plano ter cinco minutos e aí seria um filme muito longo. Então, eu simplesmente o dividi. Uma hora e meia por cinquenta (número de estados americanos), e cheguei a aproximadamente um minuto e quarenta e cinco segundos para cada. E quando eu fiz isso achei que era um pouco divertido, sabe, ser algo tão arbitrário. E isso é interessante porque acho que se aproxima de “One Way Boogie Woogie”, que tem planos de um minuto e esses eu tinha achado tão longos quando fiz o filme e agora quarenta e cinco segundos parecem tão curtos. [risos]

PM: Você falou sobre arte conceitual e eu estava me perguntando se você gosta do trabalho de Ed Ruscha e se já teve algum contato com ele?

JB: Eu conheço Ed Ruscha bem porque ele é um artista californiano e, na verdade, eu dei aula para o filho dele, Eddie [Ruscha] Jr. É estranho porque eu nunca o conheci, mas eu tenho muito interesse pelo trabalho dele, assim como por outras pessoas da CalArts, onde dou aula.

PM: Alguns dos trabalhos dele, como “Twenty-six gasoline stations” (1963), me remetem aos seus filmes.

JB: Sim, e eu não os conhecia. Quer dizer, foi uma espécie de coincidência. Mas quando você pensa conceitualmente algumas dessas ideias simplesmente se aproximam.

MZ: Há algo em relação esses seus filmes, como “13 Lakes” (2004) ou “10 Skies” (2004), que é muito primordial: você começa com um princípio básico e filma cenários naturais. Mas há algo também, uma técnica particular, que é sua; você vê um plano e você pensa, “isso é um plano de James Benning”, não apenas por conta da duração destes planos mas pelo próprio enquadramento. Isso é algo premeditado?

JB: Bom, eu concordo, mas eu não sei se consigo definir o que é isso. Porque eu fiz filmes tão diferentes. As pessoas acham que eu só faço um tipo de filme, mas eles são muito diferentes. Ainda assim, há algo que conecta todos eles e eu acho que é a imagem, sobre o que você está falando, essa espécie de mágica, como um carimbo através da imagem. Mesmo que as ideias de um filme para o outro sejam extremamente diferentes.

Imagem de “13 Lakes” (2004), filme de James Benning

GLF: Você diria que isso acontece por conta de seu uso do espaço negativo? Isso é algo bem particular, eu acho.

JB: Bom, eu posso redefinir isso mais como um espaço fora de quadro. Eu estou muito consciente do espaço fora de quadro e eu gosto de utilizá-lo através do som e desenvolver esse espaço. Talvez isso seja uma coisa que é consistente em muitos dos filmes, este uso do som e chamar a atenção ao espaço atrás da câmera, à direita do enquadramento, ou acima, todos estes espaços diferentes.

GLF: Eu fiquei muito impressionado quando há alguns dias atrás alguém lhe perguntou sobre a música que às vezes toca no fundo de “United States of America” e você disse que era feita na pós-produção.

JB: Às vezes eu uso uma música que se conecta com a imagem ou eu tento conectá-la, como se viesse de uma fonte dentro do enquadramento ou fora dele, outras vezes eu só uso ela como se estivesse, de algum modo, flutuando magicamente no ar.

MZ: Quando estávamos pesquisando para essa entrevista, descobrimos um texto seu na revista October [Sound and Stills from “Grand Opera”, vol. 12, Spring, 1980].

JB: Sim, do “Grand Opera” (1978).

GLF: Fotos still e som, certo?

JB: Isso.

MZ: Nos chamou atenção porque é uma revista que gostamos bastante, por falar sobre cinema em relação a outras artes, não separar as duas coisas. É algo sobre o que você falou antes, do que apelava para você em Hollis Frampton e Michael Snow seria o fato deles se considerarem artistas. Essa é a maneira que vemos o seu trabalho também, como o trabalho de um artista.

JB: Bom, isso é um grande elogio, eu acho. Agora eu estou fazendo esses trabalhos que não são apenas filmes, essas instalações que criam ambientes grandes, como o que está na minha casa [“Two Cabins”]. Mas, como eu disse ontem, mesmo que eu esteja fazendo esses ambientes grandes eu os construo da maneira como eu faria um filme. Eu não penso neles como coisas distintas de modo algum, é apenas o material que mudou.

GLF: Falando em October, você tinha uma relação próxima com pessoas como Annette Michelson, Rosalind Krauss e P. Adams Sitney?

JB: Acho que isso aconteceu quando eu fiz “11×14” (1977). O filme rodou numa conferência em Milwaukee, sobre “estudos do século 20”, algo assim. Eles convidaram vários teóricos mas também alguns cineastas. E foi lá que eu conheci Michael Snow, e a Annette Michelson, Amy Taubin e Chantal Akerman estavam lá. Na verdade, eu conheci todas essas pessoas de uma vez só em um elevador. Nós estávamos subindo e alguém disse “lá vai a avant-garde” [risos]. O que foi engraçado. Então, eu conheci eles lá e logo depois disso eu me mudei para Nova York, e Annette Michelson me convidou para sua casa para falar sobre o “Grand Opera” e minha relação com a Yvonne Rainer e outros artistas que estavam no filme. Foi nessa época que ela me perguntou “Você gostaria de fazer algo para a revista?”. Pode ter sido isso ou talvez eu já tivesse feito e trouxe, eu não lembro se ela sugeriu. Mas eu não a conhecia muito bem. A Amy Taubin eu conheci bem e elas moravam no mesmo prédio, onde aquele “Earth Room” está, de Walter De Maria. Não sei se vocês conhecem. Ele encheu o espaço de um loft com terra. É absolutamente maravilhoso. Você entra lá e sente o cheiro dessa terra preta rica. Eles remexem e regam a terra todo dia.

“Earth Room” (1977) de Walter De Maria, 197 m³ de terra em cômodo de 335 m²

MZ: Você foi de algum modo influenciado pela crítica? Você recebe algum tipo de resposta que afeta o seu trabalho?

JB: Eu costumo fazer isso com amigos que são artistas, alguns deles são escritores. Eu sou bem próximo de Sharon Lockhart e Rachel Kushner que aparecem em “Readers” (2017). E, então, eu falo com elas, nós conversamos sobre o que elas estão fazendo, o que eu estou fazendo. E com a Rachel é interessante porque nós nos encontramos bastante, ela anota quando eu lhe conto histórias e, agora, eu estou em seus romances. Ela fez um conto que sai hoje, na verdade, eu acho, na The New Yorker, como parte da revista de ficção de verão deles. É divertido quando seus amigos são artistas e vocês crescem juntos. Ela me afeta e eu afeto ela.

PM: Eu tenho mais uma pergunta que é um pouco pessoal. Estava me perguntando se você conhece e gosta do pintor Forrest Bess?

J.B.: Eu fiz um filme, dois verões atrás, onde eu visitava a casa de sete artistas folk diferentes. Então, eu fui para o Texas e filmei, da costa texana, a ilha onde ele trabalhava. Eu fiz várias pinturas de Bess, também. E eles acabaram de fazer uma grande exposição em Kassel onde me convidaram para falar sobre Bess. Então eu sou uma autoridade no assunto [risos]. 

PM: Eu adoro as pinturas dele.

JB: Elas são incríveis. Alguém tinha várias delas guardadas numa garagem. Então existe todo esse conjunto de pinturas novas que acabou de aparecer. Quando ele começou a pintar, ele era um recluso, sabe, vivendo na costa do Texas, e ele escreveu a galeria de Betty Parsons em Nova York. Eles trocaram correspondências e ele enviou algumas de suas pinturas a ela. E ela começou a exibí-las. Nessa época, ela exibia Jackson Pollock e vários outros caras importantes que estavam aparecendo agora. E Forrest Bess também estava lá. Ele não se conectava com todos esses outros caras, é claro. Mas agora, que já morreu há um tempo, seus trabalhos estão se tornando quase tão famosos. Ele tinha essa filosofia de que se ele pudesse se tornar um hermafrodita, ele poderia viver para sempre. Então ele se auto-operou para se tornar uma mulher e um homem ao mesmo tempo. E ele documentou isso com fotos e mandou essas fotos para a galeria de Parsons, dizendo “Eu quero isso na próxima exposição, como parte da exposição”, e ela escreveu de volta dizendo “Bom, isso é muito interessante, mas acho que essas fotos provavelmente pertencem a outro tipo de instituição”. O que é engraçado porque quando eu finalmente vi as pinturas dele, elas estavam no Hammer Museum em Los Angeles, eles fizeram uma retrospectiva do trabalho dele e exibiam toda essa documentação. Então, sabe, ele estava simplesmente oito anos a frente de seu tempo [risos]. Ele percebeu que tudo isso era o trabalho. Eu acho que isso é brilhante. Quer dizer, acho que ele era um homem torturado, para ter inventado essa teoria. Mas sim, é muito interessante.

“The Hermaphrodite” (1957) óleo sobre tela por Forrest Bess