A cineasta e curadora alemã Ute Aurand veio ao Brasil em setembro de 2022 para apresentar e comentar três sessões do programa “Retratos: Filmes de Ute Aurand e Margaret Tait” organizadas pela Mutual Films (Aaron Cutler e Mariana Shellard) exibidas em São Paulo (dias 14, 15 e 18 de setembro no Instituto Moreira Salles Paulista) e Rio de Janeiro (dias 17 e 18 de setembro no Instituto Moreira Salles Rio). Na sessão de curtas de Aurand foram exibidos em 16mm os filmes Maria und die Welt (1995), Renate (2021), Schweigend ins Gespräch vertieft (1980), Kopfüber im Geäst (2009), Lisa (2017), Halbmond für Margaret (2004). Em uma segunda sessão da diretora alemã, foram exibidos em 16mm o curta Glimpses from a Visit to Orkney in Summer 1995 (2020) e o longa Rasendes Grünmit Pferden (2019). E em uma terceira sessão, dedicada a diretora escocesa Margaret Tait, foram exibidos em cópias digitais restauradas os curtas e médias Three Portrait Sketches (1951), A Portrait of Ga (1952), Where I Am Is Here (1964), Aerial (1974), Colour Poems (1974) e Tailpiece (1976). No Rio de Janeiro, a sessão com o longa de Aurand foi seguida de um debate com o curador e pesquisador Lucas Murari. O debate e a sessão comentada no IMS Paulista estão disponíveis no canal do YouTube imoreirasalles (https://www.youtube.com/c/imoreirasalles).
As três sessões agora ocupam as três primeiras posições de maior público da Mutual Films no Instituto Moreira Salles. Números entusiasmantes para sessões em 16mm de filmes experimentais, cada vez mais raras no Brasil – ainda mais com a presença da cineasta estrangeira. Estes dados mostram principalmente que os jovens cinéfilos brasileiros (público majoritário das três sessões) estão mais abertos ao cinema experimental que gerações anteriores e reconhecem a importância da exibição destes filmes em seus formatos originais. Jovens viajaram para o Rio de Janeiro e São Paulo apenas para a ocasião.
Comparados a sete anos atrás, os números são otimistas. Em dezembro de 2015, a cineasta experimental franco-peruana Rose Lowder veio ao Rio de Janeiro e a Recife para apresentar seus filmes pelo Fórum do Movimento de Imagens, porém, infelizmente, as sessões não tiveram um número tão expressivo de público. No mesmo ano, pela única vez no Brasil até o momento, um filme do cineasta Nathaniel Dorsky, Song (2013), foi exibido no Fronteira – Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental em Goiânia, um evento que hoje, certamente, moveria muitos espectadores.
Esperamos que a vinda da cineasta alemã e a exibição de seus filmes em 16mm, seja o início de um ciclo mais movimentado para as projeções analógicas, para a vinda de cineastas e para a exibição de cinema experimental, em especial, retrospectivas que preencham as lacunas de uma história marginalizada que, no Brasil, se conhece mais pela leitura do que de fato pela exibição. Esperamos também que não seja a única visita de Ute Aurand em nossas terras e que em breve possa retornar. Dizemos o mesmo para a entusiasmante vinda de James Benning no Festival Ecrã de 2022, que teve grande público na sessão de The United States of America na Cinemateca do MAM e na Masterclass ministrada pelo diretor.
Nos debates e conversas, Ute demonstrou uma insubordinação que evita cair em categorias e enquadramentos, garantindo a liberdade de seus filmes e de seu processo criativo, evitando também qualquer racionalização limitante ou explicações que contrapõem a plenitude da intuição e da vontade. Apresentou uma visão de cinema simples e rigorosa. Seus filmes e comentários foram inspiradores, assim como sua alegria e leveza durante sua estadia no Rio.
Neste contexto, realizamos esta entrevista com Ute Aurand na varanda frontal do IMS Rio, dois dias após a exibição de todas as sessões da Mutual Filmes. Conversamos sobre os filmes exibidos e seus trabalhos como curadora, retomando algumas ideias expostas durante as apresentações, sobre seu processo criativo, sua montagem, parcerias e amizades.
Agradecemos Ute Aurand, Aaron Cutler, Mariana Shellard, Lucas Murari e a equipe do Instituto Moreira Salles por toda ajuda e gentileza. Mais informações: https://www.mutualfilms.com
Gabriel Linhares Falcão

Gabriel Linhares Falcão: Você poderia falar sobre como começou a trabalhar como curadora e programadora na Alemanha?
Ute Aurand: Em junho de 1990 eu comecei a série mensal “Filmarbeiterinnen-Abend” (Women Film-Workers Evening) junto com a minha amiga cineasta Maria Lang. A série estava associada a um tipo de associação alternativa fundada por mulheres para mulheres trabalhando com cinema (Verband der Filmarbeiterinnen /Association of Women Film Workers). A ideia era programar filmes de mulheres uma vez por mês no Kino Arsenal, em Berlim. Logo as exibições não estavam mais ligadas a esta organização, mas mantivemos a regra de exibir apenas filmes de mulheres. Eu queria encontrar filmes experimmentais que eu não conhecesse e comecei a pesquisar e descobri Mary Menken, Margaret Tait, Helga Fanderl, Utako Koguchi e muitas outras. Eu fui curadora dessas exibições mensais por quase cinco anos. Então os 100 anos do cinema foram celebrados e uma lista com cineastas mulheres estava circulando, mas todos os nomes eram de cineastas razoavelmente conhecidas de longa-metragens. Então, eu me perguntei como poderia fazer filmes de outras mulheres serem notados quando nem eu os conhecia, e decidi pedir a 12 mulheres cineastas para que cada uma escolhesse um filme dirigido por uma mulher que fosse importante para ela. Isto abriu muitas portas, e descobrimos muitos filmes novos. Eu chamei esta série mensal de “Sie zum Beispiel” (Ela Por Exemplo) que foi generosamente apoiada pelo “Künstlerinnen Programm” do Senado de Berlim de modo que pudemos exibir quase 80 filmes em 12 meses [1]. Então eu parei de fazer a curadoria por um tempo. Eu também pensava que eu não precisava de um cinema para mostrar filmes desse tipo e comecei a sonhar com uma “Capela de Filmes”, onde você pode entrar, se sentar e ver um filme, sozinho. Ou uma espécie de espaço de galeria… Mas quando eu discuti essa ideia com meus amigos cineastas Renate Sami e Theo Thiesmeier na primavera de 1997, eles me convenceram a continuar a exibir filmes no cinema. Então, um ano depois de “Sie zum Beispiel” nós começamos nossa série de exibições mensal “FilmSamstag” (FilmeSábado) no Babylon-Mitte na antiga Berlim Oriental. Nós fizemos o FilmSamstag por 10 anos, 1997-2007 [2], mas acabamos abrindo para cineastas homens, então tivemos que tomar cuidado para que eles não dominassem a programação…
GLF: Você começou procurando cineastas alemãs e depois se aprofundou em outros países?
UA: A série Filmarbeiterinnen-Abend começou em junho de 1990 com Wanda (1970) de Barbara Loden combinada com um filme de Angelika Levi, que havia estudado na Escola de Cinema de Berlim. Era uma sessão dupla bem estranha. Angelika fazia curtas-metragens. Eu não exibi especificamente filmes de cineastas alemãs mas claro, eu também programei cineastas que eu conhecia da faculdade de cinema. Eu também pesquisei outros países, porque as pessoas começaram a me sugerir filmes, por exemplo, uma programadora japonesa me deu uma fita com filmes experimentais da Utako Koguchi, uma cineasta japonesa. Eu adorei seus filmes fortes e pessoais e convidamos ela; então este é um exemplo, mas eu também convidei Laura Hudson da London Filmmakers Coop para um programa e Ruth Novaczek com seus filmes, os quais eu descobri enquanto pesquisava acerca dos filmes de Margaret Tait no Coop em Londres…
GLF: E algumas sessões contavam com a presença das cineastas?
UA: Com a Utako, nós organizamos um tour. Eu pedi financiamento, ela veio para Alemanha e nós visitamos seis cidades alemãs.


GLF: Há algo que sempre me chama a atenção quando vejo seus filmes, no que diz respeito aos seus trabalhos mais próximos da tradição dos filmes diários, ainda que não sejam restritos a esta categoria. Comparados a Jonas Mekas, por exemplo, a voz dele está no presente, mas descrevendo ou comentando imagens passadas ou sensações passadas; há um movimento de olhar para trás. Vendo seus filmes, tenho a sensação de que você está sempre no presente, você nunca olha para trás.
UA: Isso é interessante. Claro, os filmes de Jonas estão ligados à sua vida; se você viveu uma vida como a dele, que teve de sair de seu país, ser expulso à força, suas memórias se tornam muito existenciais. Mas mesmo quando eu filmo no presente – como você diz – eu olho com a minha… não sei se alma é a palavra certa, mas eu olho com o meu interior – o que é uma matéria muito complexa. E o nosso interior está sempre conectado ao passado, mesmo que não reconheçamos isso. Se você vive completamente no presente, não há necessidade de fazer um filme. Você está apenas vivendo sua vida, você não quer se ater a nada. O desejo de filmar está conectada ao desejo de capturar o presente…e assim que você faz isso, algo já mudou.
GLF: Então, você cria uma espécie de tempo novo…
UA: Hmm, isso é outra coisa. Sim, eu crio um tempo “novo” porque eu não filmo um a um. Eu encurto e condenso criando um ritmo, geralmente editando na câmera. Olhe aqui para este belo ornamento arquitetônico, e veja o verde por trás, é bonito. (Ute aponta para a vista à sua frente – as próximas duas fotos foram tiradas por ela e mostram a vista)


Podemos apenas olhar para isso, mas é claro que, se eu quero comunicar o que vejo e sinto, tenho que encontrar uma forma para expressar estes sentimentos, eu tenho que transformar a realidade em uma expressão visual. Eu estou interessada em filmes nos quais você consegue sentir o cineasta por trás das imagens.
GLF: Durante uma das conversas após as exibições, você falou sobre uma ideia de “levar o conteúdo para uma outra direção”. Em To Be Here (2013), por exemplo, você fez um filme em uma faculdade nos EUA, filmando toda a sua jornada pelo país. Vemos seus primeiros momentos nos EUA, então na faculdade, ouvindo as alunas, e depois acompanhamos sua jornada em outros estados do país. Acho que isso poderia ser um bom exemplo para a sua ideia, você tem o conteúdo do filme, em torno da faculdade, e aí você toma outros rumos: um antes e um depois. Considerando estas “outras direções para o conteúdo”, sinto que a forma como você filma é de algum modo afetada pelo que você ouviu destas estudantes: não consigo assistir o resto de sua jornada sem pensar nestes testemunhos, mas, ao mesmo tempo, me pergunto se as ideias que você coletou delas já não estariam inscritas na maneira como você filma. Seria essa a ideia de levar o conteúdo para direções diferentes?
UA: Essa é uma pergunta difícil. Falei com as alunas do Mount Holyoke College, uma faculdade só para mulheres. Mostrei filmes lá e perguntei naquela noite “quem quer vir amanhã? Gostaria de lhes fazer algumas perguntas”. Dez mulheres vieram e eu lhes perguntei “como vocês se sentem em relação a estudar em uma faculdade feminina?” Eu estava muito impressionada por Mount Holyoke, porque não temos uma faculdade só para mulheres na Alemanha. Eu estava curiosa para saber se estudar apenas com mulheres as ajudava a se tornarem mais confiantes e orgulhosas do que faziam, se as ajudava ao criar essa rede… Para “To Be Here” eu pesquisei um pouco antes, [3] normalmente eu não faço isso. Por exemplo, aqui no Brasil eu não pesquisei nada, tampouco quando filmei na Índia, ou no Japão. Mas nos EUA, como eu já tinha ido lá muitas vezes, eu decidi me aprofundar acerca do movimento feminista idealista da Nova Inglaterra no século XIX, que também estava ligado ao movimento espiritual, transcendentalista.

GLF: Em uma entrevista [4], você disse que teve a ideia de fazer uma montagem que não fosse hierárquica ao lidar com esse filme, e acho que é algo que reverbera em seus outros filmes.
UA: Eu acho que essa é, em geral, a minha maneira de ver o mundo. Ontem, no Jardim Botânico aqui no Rio, eu estava observando os trabalhadores que limpavam os caminhos, quando pensei, “Talvez estes trabalhadores sejam pessoas muito felizes”, esta era a impressão que eles me deram, mesmo que suas vidas sejam difíceis. Estou sempre pensando que não há hierarquia, mas, é claro, as circunstâncias são diferentes. Nós sabemos tão pouco. Nós achamos que nosso julgamento está certo, mas não sabemos.

GLF: Voltando à questão da produção de um tempo, em Kopfuber im Gest (2009), há um momento em que você procura imagens do passado e cruza com documentos do presente. Nesses segmentos, há um tipo de tempo que acho único em toda a sua filmografia. Como foi filmar isso e como foi a montagem?
UA: Eu sabia que minha mãe iria morrer. Estava claro. Havia pouco tempo, e era o dia do aniversário de casamento deles, então, os perguntei: “Posso filmar vocês?” Eu os filmei sentados no jardim sobrepondo com as fotos do casamento deles em 1954. Eu queria juntar esses dois pólos – o casamento deles, quando começaram, e depois o fim de sua vida juntos. Queria fazer isso visualmente, sem dizer nada.
GLF: É diferente para você fazer retratos de casais, como Detel + Jón (1993) e Bärbel und Charly (1994), e retratos individuais?
UA: Sim. Duas pessoas já trazem dois elementos. E Detel e Jón são um casal incomum porque ele é muito mais velho que ela. Quando você trabalha com casais já existe uma comunicação entre os dois e a cineasta… Então, é um triângulo.
Quando você filma uma pessoa, é mais um para um, um atrás da câmera, um na frente da câmera. É um tipo diferente de comunicação.
GLF: Como você coleta seu arquivo pessoal?
UA: Frequentemente, quando filmo, eu não sei se o material entrará em um filme finalizado algum dia. Eu só filmo e coleto no meu “arquivo pessoal” e em algum momento eu posso retornar a este material, como em Rasendes Grün mit Pferden (2019), que foi editado a partir de filmagens que eu tinha coletado durante 20 anos. Para muitos dos retratos que faço e também no filme sobre meus pais, eu olhei para o material que eu tinha filmado deles ao longo dos anos e decidi o que mais filmar especialmente para aquele filme.
GLF: Então, seu arquivo não é tão grande?
UA: Não, não é tão grande comparado com quem trabalha com o digital. Se você filma em digital você tem horas, mas agora eu tenho talvez sete horas no total, não é muito. Já está condensado, por conta da concentração ao filmar e as limitações de 3 minutos para cada bobina da câmera. Eu penso antes de filmar e não fico maluca tentando capturar tudo.

GLF: Quando você estava montando Rasendes Grün mit Pferden (2019), que é um filme muito longo comparado aos outros, como você lidou com esses blocos e tomadas concentradas para fazer algo maior?
UA: Não foi tão fácil, levou tempo, etapas. Às vezes, eu tinha aglomerados menores e pensava “ah, essas quatro ou cinco situações funcionam bem juntas”. Não é que eu começasse sempre do início e ia até o fim; às vezes o filme está crescendo a partir do meio, às vezes está crescendo a partir do começo… É um processo longo com muitas decisões.
GLF: No Festival Punto de Vista de 2020, foi apresentado um programa com seus filmes junto com filmes de Jeannette Muñoz, Helga Fanderl e Renate Sami, no qual seus curtas foram combinados em diferentes programas. Você escolheu o programa ou foi o festival que escolheu? Como foi este processo?
UA: Nós éramos quatro cineastas com cinco programas. Garbiñe Ortega veio para Berlim e viu alguns filmes, ela teve suas próprias ideias, suas próprias preferências. Foi principalmente ela que escolheu os filmes para os cinco programas, mas nós estávamos envolvidos nas decisões. Nós tentamos balancear os programas agrupando de dois em dois:
Helga e Jeannette, eu e a Renate, e três programas com nós quatro. Deu bastante certo.
GLF: E como foi assistir aos seus filmes juntos?
UA: Eu conheço quase todos os nossos filmes. Mas é claro que nas novas combinações os filmes pareciam diferentes e novos, os filmes falavam entre si, diferenças e semelhanças se tornavam mais claras. Garbiñe e Maria Palacios haviam escolhido nós quatro porque éramos cineastas amigas que compartilham certas atitudes fundamentais ao filmar. Mas ao mesmo tempo havia espaço para reconhecer a individualidade de cada uma de nós.

GLF: O novo filme de Robert Beavers, The Sparrow Dream (2022), estreia agora no Open City Docs, e você está nele. Como foi isso para você? Vocês trocaram ideias durante o processo, como numa espécie de colaboração?
UA: O filme é de Robert e eu apareço nele muito brevemente. Alguns planos são relativamente recentes e outros são mais antigos. Em algum momento na edição ele me mostrou o filme… E o fato de eu estar no filme não foi a questão principal, é importante, mas eu sou apenas uma de muitas outras coisas. Quando falamos sobre a edição nós falamos sobre o filme como um todo, eu estava um pouco hesitante em ser filmada, mas as imagens estão muito bem integradas.
GLF: Vocês dois têm estilos muito diferentes. Sempre imaginei como seria uma colaboração. Seria possível?
UA: Poderia ser possível, mas não o fizemos. Nós nos influenciamos sem saber. Obviamente, eu desacelerei mais no meu cinema recente, nos anos 90 eu era muito mais rápida… e era muito mais o tipo de pessoa que colaborava com outros cineastas. Robert nunca colaborou.

GLF: Você disse que comprou uma nova câmera Super-8 e agora tem um novo celular. Você pretende usá-los? Acho que você nunca trabalhou com Super-8…
UA: Nunca trabalhei com um smartphone, mas eu tive uma câmera Super-8 nos anos 90. No meu filme Terzen de 1998 há algumas imagens que eu filmei com Super-8. Mas nos últimos anos eu não filmei com Super-8. Agora, antes de vir para o Brasil, eu decidi que poderia ser legal filmar em Super-8 de novo, então eu comprei uma câmera usada e filmei um pouco aqui. Não tenho ideia de como usarei o material, talvez eu o re-filme com a minha Bolex.
Me disseram que eu precisava de um smartphone no Brasil. Então eu comprei meu primeiro smartphone! Ele é bem útil para se comunicar e encontrar lugares, mas não tenho ideia se meus pequenos vídeos de celular encontrarão seu caminho para fazerem parte de um novo filme… Foi divertido filmar com o celular mas é tão diferente, meus movimentos são muito mais suaves do que na minha edição-na-câmera com a Bolex…
GLF: Você poderia comentar sobre seu uso do som e do silêncio?
UA: Alguns de meus filmes são completamente mudos porque eu quero manter o espaço entre a imagem e o espectador… Quando vemos um filme com som, o som está por todo lado, mesmo em nossos corpos. A imagem está sempre na nossa frente na tela com o espaço entre o espectador e ela. Às vezes eu gosto de enfatizar esta distância, mas às vezes eu gosto do poder que um som tem, como muda a maneira como nos sentimos. A música coloca o público em um estado emocional, mas ao voltar ao silêncio cria-se novamente uma distância.
GLF: E o seu uso de preto e branco/colorido?
UA: Gosto de ambos. O preto e branco não é tão naturalista. Filmar em preto e branco ou colorido é apenas um escopo mais amplo, eu não fico pensando muito sobre isso, eu só gosto!
GLF: Você está gravando som com um Zoom, certo?
UA: Sim, mas, agora, eu tenho meu smartphone [sorri]. Ewelina Rosinska, uma cineasta da escola de cinema de Berlim, DFFB (Deutsche Film- und Fernsehakademie Berlin), me encorajou a gravar som com o smartphone… Eu tenho o Zoom aqui, mas gravar com meu celular é muito mais fácil! Eu vou ouvir depois como fica…
GLF: Tem algum diretor brasileiro que você goste?
UA: Em 1985, o último filme de Glauber Rocha, A Idade da Terra (1981), foi exibido no Berlinale Forum. Eu não conhecia nada do trabalho dele. Eu fiquei profundamente fascinada, gostei muito da energia. Não consegui entender todas as referências dele, mas adorei a energia. Nos últimos anos assisti muitos filmes da Ana Vaz, nos festivais europeus e no Flaherty Seminar – gosto muito de Occident (2015) e o que ela reune em seus filmes é um discurso visual complexo…
Notas:
[1] Publicamos uma lista de filmes de “Sie zum Beispiel” (Ela, por exemplo), exibidos entre 1995-1996, nesta edição da Revista Limite.
[2] As programações do “FilmSamstag” entre 1997-2007 estão disponíveis aqui: http://www.filmsamstag.de.
[3] Notas e imagens desta pesquisa podem ser encontradas aqui: http://www.uteaurand.de/assets/files/america-aurand.pdf.
[4] “Entrevista con Ute Aurand, por Francisco Algarín Navarro, Vanessa Agudo, Evaristo Agudo, Miguel García”, disponível em: http://elumiere.net/especiales/aurand/.