Configurations (2021), de James Edmonds

Configurations foi exibido na Cinemateca do MAM no dia 24/09/2022 pelo VII DOBRA Festival Internacional de Cinema Experimental, dentro do programa Mitos e Ritos para a Paisagem de um Outro Mundo (curadoria de Cristiana Miranda e Lucas Murari).

James Edmonds nasceu na Inglaterra em 1983, se mudou para Berlim em 2004, período em que começou a realizar seus curta-metragens experimentais, e, em 2015 na mesma cidade, começou a trabalhar ao lado de Robert Beavers na restauração de “Eniaios” de Gregory J. Markopoulos.

Em Configurations (2021), James Edmonds alcança uma consistente descontinuidade imagética, sonora, espacial e temporal que se aproxima mais do que todos os seus filmes anteriores de uma polivalência na montagem. A impressão, aqui, é de que há um único centro que se amplia em diferentes direções de fragmentos espaço-temporais desconectados.

No centro dessa polivalência, o ser se acumula. James, que monta os fragmentos de uma forma orgânica e nostálgica, como uma série de memórias e inserts rápidos, traçando diferentes sentimentos a partir da relação dele com os fragmentos, que apontam para diferentes direções por não se mesclarem pictoricamente. O regime central se caracteriza pela relação do cineasta com a câmera 16mm: há uma indefinição entre o mental, pela relação instantânea da filmagem entre o interior e o mundo exterior, e o espectral, pela relação a posteriori na montagem que organiza essas impressões, mas certamente uma presença corporificada que une o artista e o aparato abrangendo consciência e inconsciência, impulso e corpo. Neste processo os inserts se tornam então glimpses, lampejos de um trânsito.

Dentre os diferentes motivos registrados em Configurations, há uma região de praia, um passeio em um lago/riacho, uma caminhada pelas árvores de uma floresta, celebrações no interior de uma residência, um apartamento solitário em um edifício aparentemente urbano, monumentos arquitetônicos a céu aberto, dentre outros. Por vezes, estes são sobrepostos com algumas de suas pinturas. Estas contém grossas pinceladas que remetem a caligrafia zen, porém sem semântica aparente, em chapas monocromáticas; um estilo simples que estuda o “gesto interior da pincelada”. As sobreposições promovem analogias e alentam o estudo do fator interior entre os gestos das pinceladas e os rápidos gestos de Edmonds com a câmera 16mm, descrevendo o processo de Configurations da seguinte maneira: “Os pequenos mitos e estruturas pessoais que montamos para ajudar a sobrevivência da psique em tempos de baixa colheita. Encontrando sutis pontos de referência no assunto e no movimento da câmera, na paisagem, seus detalhes e as tradições da época, procuro conectar o exterior com a câmera corporificada e o gesto interior da pincelada.

A montagem opera com a curta duração dos fragmentos de uma maneira que nos estimula a querer ver sempre mais, alimentando um entusiasmo abstracionista no olhar pelo incessável. Os fragmentos de Edmonds são caracterizados pela sua curta duração e particularidades pictóricas e luminosas determinadas. Por exemplo, um registro de um apartamento vazio de estilo urbano é filmado em baixa luminosidade e com tom acinzentado na película, logo, sempre que retornarmos a outros registros realizados no apartamento em momentos próximos, este estará com as mesmas características reveladas primeiramente, próprias da revelação do rolo. Cada fragmento diarístico contém configurações próprias que não serão reproduzidas em outro espaço-tempo que não seja aquele registrado. 

A costura destes fragmentos e direções polivalentes ocorre no som, que também é descontínuo e reproduz registros relacionados a imagens ou elementos já vistos na rápida montagem, porém de maneira assíncrona ao que é visualizado no instante; todos pertencentes a uma ideia maior de todo: a percepção de James. Em poucos momentos, um elemento imagético desperta o seu equivalente sonoro no instante, mas nestes casos a imagem rapidamente segue seu rumo enquanto o elemento sonoro ressoa. Edmonds, que já apresentava um trabalho instigante com a malha sonora em seus filmes anteriores, agora explora uma costura ainda mais complexa e consequentemente mais recheada de possibilidades.

 Em Configurations, a polivalência, que almeja uma liberdade na montagem que una instantaneamente espaços e tempos dos mais distintos e distantes, dilui essas determinações pictóricas em uma gama de caminhos possíveis, consequentemente sublinhando a descontinuidade sempre presente. Em seu filme A Return (2018), busca aproximar registros fragmentários do sul da Inglaterra e de Berlim em uma única percepção cinematográfica sintética. A descontinuidade é um movimento comum em seus filmes, assim como o trânsito entre Inglaterra, Alemanha e outros países é também recorrente. Em Configurations, os locais visitados não são determinados ao espectador; presenciamos um estudo entre congruência e incongruência dos espaços na percepção pelos curtos registros em um senso de cotidiano ampliado e ao mesmo tempo sintético, que se afasta da monotonia e da repetição, se refazendo pelas vias do retorno, como uma viagem constante. 

O cineasta nos entrega um senso de totalidade do registro (lembramos com clareza do monumento, da praia, do pântano, dos apartamentos vazios, do apartamento em celebração, do apartamento na cidade, da viagem pelas águas…) e uma comunicação eficiente dos sentimentos envolvidos (o celebração, a solidão, a aventura), de modo que ambos se consolidam no resultado final, mas nunca se revelam obviamente no processo.

Gabriel Linhares Falcão