A obra do artista austríaco Leopold Strobl é singela, de caráter mesmo repetitivo, cotidiano, a começar por sua escala e simplicidade de seus materiais: esta se constitui inteiramente (até onde tenho conhecimento, pelo menos) de pequenas fotografias recortadas de jornais e coladas em papel, coloridas com lápis de cor preto, amarelo e verde. É através desse colorido que irá criar novas composições, novas imagens, a partir dos elementos dispostos nas fotografias.

É com o lápis preto que Strobl realmente interfere no primeiro plano das imagens; o verde e o amarelo são reservados para o fundo, céu, árvores, montanhas, construções, criando um tom homogêneo a todas suas obras, uma atmosfera antiga e misteriosa, como uma fotografia encontrada num porão ou numa feira de antiquidades. Esta atmosfera certamente se deve em grande parte à escolha das imagens a serem adulteradas: a maioria paisagens naturais, fachadas de prédios de arquitetura antiga ou estradas com um ponto de fuga distante.

Com o preto, Strobl reforça algumas linhas e encobre elementos, criando novas manchas. Estas manchas por vezes parecem grandes pedras negras, por outras criaturas disformes, às vezes emolduram a imagem, outras apenas escurecem elementos pré-existentes, deixando seu contorno, e outras apenas aparentam um plasma transbordando pelo cenário. Em certos trabalhos, ainda é possível ver o que havia por trás das manchas, por exemplo a silhueta de uma pessoa, como palimpsestos. Ao mesmo tempo em que a mancha atrai o nosso olhar, também reconfigura o espaço a seu redor. Há uma carga nessa mancha negra disforme, por vezes antropomórfica, por vezes apenas indicadora de uma presença, mesmo um mal simbólico, configura um caráter sobrenatural às cenas.

Esta força está especialmente no contraste entre a mancha colorida com lápis e a imagem opaca da fotografia de jornal. Dois materiais de diferentes origens, o gesto manual – de textura concreta, tangível e preenchimento impreciso – e a fotografia impressa dessaturada – ao mesmo tempo realista e distante de sua realidade. O contraste entre as duas instâncias acaba distinguindo ainda mais figura e fundo: figura como invenção, desenho; fundo como realidade. O fundo é onde encontra-se a cor, os elementos discerníveis, frequentemente pedras e folhagens, com suas ranhuras próprias, que submetem a imagem à esse efeito de realidade. A figura, como mencionado, é encoberta, disforme, oculta, deixando apenas rastros de uma antiga configuração precisa.

É essencial notar que, para isso, é utilizada a cor preta, que funciona em suas imagens tanto como uma marca crua da interferência do lápis na fotografia quanto com uma transparência, funcionando como um véu. O preto, afinal, aponta tradicionalmente para um espécie de espaço negativo na imagem, de não-cor – isto sem falar, é claro, nas propriedades simbólicas que a cor carrega, que não atoa o associam à algo soturno. Como um professor me apontou em uma aula de pintura, o branco deve ser espesso e o preto deve reter uma transparência, sendo sempre misturado a outra cor já presente na paleta. Isto se deve ao fato de que a tinta preta pura atrai uma atenção anti-naturalista, colocando um peso na composição que a desequilibraria, arriscando que a ilusão da lógica de representação naturalista fosse rompida. É interessante, assim, como Strobl utiliza esta dupla propriedade do preto, de evidenciar o traço do desenho, os contornos de uma nova forma, e ao mesmo tempo esconder a imagem original, anulando-a, mas ainda retendo sua presença através da transparência. Ou seja, ele utiliza a tal transparência “necessária” à qual meu professor se referia, mas também “estraga” a ilusão com o preto, desequilibra a imagem.

Esse véu de transparência que o colorido preto preserva atribui um aspecto líquido para as manchas, reforçado por suas formas orgânicas e maleáveis. É curiosa, nesse sentido, a única obra de Strobl que encontrei na qual a mancha é branca. A impressão é completamente diferente, ela possui um peso, uma materialidade, que parece quase errado chamá-la de mancha. Isso se deve, também, ao fato de que está contornada de preto, o que parece quase uma necessidade do artista diante desse objeto oval branco e sua opacidade, como se o branco não pudesse estar ali como mancha líquida, precisasse de seus limites sólidos. Olhando mais atentamente à imagem, percebo que o objeto branco foi colado e não desenhado diretamente sobre o papel, o que reforça ainda mais as diferenças entre o lápis preto que encobre elementos e o papel branco que os tapa.

Partindo da realidade, Strobl a reconfigura, cria uma ficção recheada de sentidos ocultos, em que a própria camada de lápis que utiliza parece metaforizar esse ato de ocultar e materializar a ideia do mistério em sua essência. O que é o mistério senão uma mancha negra disforme numa paisagem? O que é o mistério se não os resquícios de figuras e objetos por trás dessa mancha? Suas interferências, assim, incitam uma investigação, ao mesmo tempo que evidenciam seu próprio truque, seu processo de interferência; e a consequente impossibilidade de se chegar ao fundo desse mistério. Um mistério, sim, mas também apenas uma foto de jornal colorida por um lápis, uma brincadeira de criança.

Paula Mermelstein